sexta-feira, 24 de outubro de 2014
PELA ALFORRIA ESTÉTICA
Agência da Caixa Econômica Federal,na zona sul do Rio de Janeiro, outubro de 1996. A fila para os caixas estava grande, feito uma serpente. Mas nem todos os caixas estavam funcionando. Reduziu-se o número de caixas na maioria dos bancos do país. O atendimento, consequentemente, ficou moroso, a passos de tartaruga ... que não era ninja!
Na fila, uma menina de uns 8 anos, vestida com uma blusa rosa bombom e calça rosa-shocking (tons bens femininos) cansada de ficar em pé, sentou-se no chão. A fila andou um pouco e ela, invés de levantar-se, arrastou-se no chão e continuou sentada, com as pernas entrelaçadas. A mãe irritou-se e tascou-lhe um beliscão daqueles pesados. A menina levantou-se do chão e esfregando uma das mãos no braço onde havia levado o beliscão, começou a chorar e ouviu da mãe uma advertência: "Se insistir, vai levar mais um. Estou cansada dos seus maus modos. Comporte-se feito uma mocinha ..."
Assim como essa menina, a maioria das mulheres brasileiras levam, diariamente, "beliscões" ou são "chamadas à atenção" pela mídia (com seus "shows" de mulheres magras, altas, perfeitas/divinas) ou pelos seus pais, parentes, amigos, chefes, namorados, maridos, etc - porque não estão se comportando "direito". No caso das mulheres o "mau comportamento" se refere a não estarem fisicamente de acordo com os padrões estéticos vigentes, ou melhor dizendo, por não serem escravas da ditadura estética.
Tem sido motivo de estudos e de reflexões a ditadura militar brasileira que durou longos 21 anos. Mas a nossa ditadura estética (feminina) tem sido pouco refletida ou questionada.
Em outubro de 1996 o assunto mereceu manchetes nos principais jornais do país, em função do coma da modelo Claudia Liz. Ela ficou entre a vida e a morte quando se preparava para fazer, em uma clínica particular em São Paulo, uma lipoaspiração, porque estava com dois quilos (sic!) a mais do que os permitidos pelo rígido mercado de modelos profissionais.
Essa ditadura estética exige que só sejam chamadas de belas e atraentes as mulheres altas, magras, brancas e de preferência loiras. Em um país naturalmente mestiço como o nosso, as consequências dessa tal ditadura são evidentes, vistas a olho nú: Uma maioria feminina se sente deslocada, se sente marginalizada e, o pior, muitas alimentam complexos e chegam a se submeter a dolorosas cirurgias plásticas; outras fazem lipoaspiração. Há as que, simplesmente colocam um "esparadrapo" na boca ,param de comer e acabam anoréxicas. Todos sacrifícios elas creem que vale à pena, desde que fiquem dentro dos padrões de beleza que são alardeados pela mídia.
Está na hora de escrever, como propôs o jornalista Alexandro Porro*, "um manifesto pela mulher palpável e fofinha".
Segundo Alexandre, a modelo Claudia Liz deveria ter lançado um desafio ao mundo da moda, para que estilistas e fotógrafos enxergassem também a mulher normal, um pouco mais palpável, pouco disposta a se arriscar para continuar um esqueleto. E no seu artigo, ele concluiu dizendo: "Imaginem Claudia Liz, (....) num shopping center falando diante de uma multidão de mulheres atentas e comovidas: "Quero dizer aos ditadores da moda que as coisas mudaram. Acabou a época da mulher pálida, foliforme, vamos respeitar todas as mulheres do mundo, até aquelas que têm quilinhos a mais ..."
* O jornalista Alexandro Porro escreveu o seu artigo no jornal O Globo, Caderno Ela, edição de 20 de outubro de 1996.
Encontrei, nos meus arquivos, estas observações que alinhavei , na época, sobre o coma de Claudia Liz e o artigo de Alexandro Porro, falecido em 2003.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário