" Conversávamos uma amiga e eu
sobre a discriminação de que foi vítima o filho negro de um editor
norte-americano por estar parado em atitude suspeita diante de uma butique de
luxo na rua Oscar Freire em São Paulo – qualquer atitude de um menino negro de
pé diante de uma butique de luxo será sempre considerada suspeita. E como
assunto puxa assunto, passamos a falar de outros tipos de discriminação
praticados pelas lojas de moda. Menos graves que o racismo, mas assim mesmo
reprováveis.
Pessoas em trajes mais simples não chegam a ser expulsas, mas são
mal recebidas, e as vendedoras fingem não vê-las. Pela roupa que estão usando
supõe-se que são modestas e que vão gastar pouco, e vendedora nenhuma está
disposta a perder sua “vez” atendendo alguém que vai lhe render uma pequena –
ou nenhuma – comissão. Em muitos casos, o segurança as segue, nem sempre
discretamente, para ver se não estão ali para roubar. Devem achar os seguranças
que simplicidade e desonestidades são gêmeas.
Pessoas de mais idade e as gordas
– e para ser considerada gorda basta vestir tamanho 46 – também não são
bem-vindas. É humilhante ser olhada de alto abaixo e ouvir um “não trabalhamos
com tamanhos grandes”. Já que boa parte da população não pertence à classe dos
manequins magérrimos, as lojas deveriam estar preparadas para receber quem não
tem corpo de Giselle Bundchen.
Não sou comerciante, não entendo da arte do bem
vender, mas parece-me que as lojas ganhariam muito mais se tanta gente não
tivesse medo de entrar e ser mal recebida. Eu, pessoalmente, prefiro mil vezes
lojas do tipo department store, onde posso olhar à vontade tudo o que têm a
oferecer, levar a blusa que me agradou até a seção de saias para ver se ficam
bem uma com a outra, e devolver à arara algo de que havia gostado mas mudei de
ideia. E certamente compro mais, às vezes coisas que nem estavam nos meus
planos, se tiver a liberdade de passear entre araras e prateleiras, pois
sozinha posso descobrir num cantinho exatamente aquela camiseta que vai ficar
linda com a bermuda que ganhei de aniversário mas não uso justamente porque é
roxa e não tenho nada que combine com ela. Se tenho alguém nos meus
calcanhares perguntando o tempo todo se não quero levar mais alguma coisa
começo a me sentir constrangida, dou meia volta e me retiro frustrada, largando
para trás o que já havia separado para levar."
Sonia Sant’Anna é goiana e nasceu em
1938. Estudou no tradicional Colégio Sion e iniciou na PUC, RJ, o curso de
Letras, que concluiu em Belo Horizonte, MG. Viveu em diversas cidades, no
Brasil e no exterior, mas a maior parte de sua vida se passou no Rio de
Janeiro, onde reside atualmente. Desde a infância desejava escrever, mas sua
primeira profissão foi a de artesã joalheira, que aprendeu no atelier de Caio
Mourão, o criador da joia moderna brasileira. Sem ser historiadora, seu
interesse pela História começou na infância, quando seu pai lhe contava
histórias da História. E tenta fazer o mesmo em seus livros. Sua obras
publicadas são"Inconfidências Mineiras – uma história privada da
Inconfidência (2004); Barões e Escravos do Café – uma história privada do Vale
do Paraíba (2001); Leopoldina e Pedro I – a vida privada na corte (2004). Todas
três pela Editora Jorge Zahar. Memórias de um Bandeirante (2001), Editora
Global. E Degredado em Santa Cruz (2009), pela Editora FTD. Livro recém-terminado e ainda sem
editora, "Luiz Gama, de escravo a herói" É irmã dos autores Sergio e
Ivan Sant´Anna e tia do também escritor André Sant´Anna.
Nota: No livro "O Brasil tem
estilo?" há uma referência, na pág 62 do capítulo "importância da
imagem" a uma reportagem publicada no jornal "Folha de São
Paulo", edição de 07/12/1997. Nesta reportagem, assinada pelas jornalistas
Gabriela Michelotti e Lavínia Fávero, as consumidoras afirmam se sentir
"constrangidas, mesmo quando estão dispostas a desembolsar milhares de
reais". Há quem diga, inclusive, que as vendedoras são terríveis:
"elas 'secam' você de alto a baixo, como se tivessem encontrado um
ET". Um vendedor que trabalha no Shopping Iguatemi (SP) declarou:
"existem clientes que entram e você olha a marca da bolsa, do sapato,
tentando ver se têm grana ou não. Mas entra muita gente por que você não dá
nada e que compra muito.Julgar uma pessoa pela aparência, pelo que ela veste é, infelizmente, comum. Aquele que não está vestido de acordo com a última moda, ou de acordo com o momento, pode ser rejeitado ou se 'enjeitar' como dizia minha tia Noêmia. Os seguranças, uma força extra-oficial que tem crescido diariamente nas grandes cidades, também adoram julgar a pessoa pela aparência. Para eles, os malvestidos sempre são suspeitos ... Como se o senso estético fosse um valor ético, identificado com a ordem estabelecida. Já se tornou tão corriqueiro o suspeito ser malvestido que, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, para assaltar, os ladrões nunca se esquecem de "caprichar" na aparência idônea, a fim de ficarem com ar de pessoa "bem de vida", conforme julgam os seguranças, e em alguns casos, a própria polícia. (...)"
Acima,trecho do livro "O Brasil tem estilo?", editora Senac, 2000 - escrito por Ruth Joffily.
Acima,trecho do livro "O Brasil tem estilo?", editora Senac, 2000 - escrito por Ruth Joffily.
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