quarta-feira, 30 de abril de 2014

"A IMAGEM É TUDO' - SILVIA DE SOUZA



     "Sempre fui uma pessoa muito curiosa, que desejava saber sobre tudo. Acabei me formando em história, que reúne uma série de conhecimentos sobre o mundo e sobre os seres humanos, de uma maneira geral. Ganhei um colégio do meu avô, ao me casar. Fui mãe com 22 anos.
     Ao me separar do pai da Daniela, minha filha única, resolvi mudar de vida. Como sou alta, tenho  1.76 cms de altura, me aconselharam, na época, deixar de lado a profissão de professora e me tornar modelo, carreira que poderia me gerar ganhos maiores. Decidi, então, me matricular num curso de manequim do Senac do Rio de Janeiro. Marie Claude e Isis de Oliveira (que depois marcaram uma época como modelos) foram minhas colegas de turma. Trabalhei com a Beth Lago, que hoje é atriz. Mas logo descobri que moda é sinônimo de muito trabalho. Eu fico aflita com as pessoas que acham que moda significa festa ...
     Trabalhei como modelo e logo comecei a exercer a função de produtora de moda no extinto Diário de Notícias e na TV Rio. Acabei sendo indicada pelo estilista Marco Rica para integrar a equipe de produção da Bloch Editores, chefiada pela Gilda Chataignier. A Editora Bloch, no Rio de Janeiro e a Editora Abril, em São Paulo, foram grandes escolas de formação de produtoras de moda extremamente profissionais e eficientes. A equipe da Bloch editores acabou sendo formada por Isa Goldberg, Claudia Duarte, Ruth Joffily, Selma Guedes e eu, Silvia de Souza. Havia um espírito de equipe e muita organização. Ou seja, nós éramos organizadas e nos ajudávamos umas às outras.
     Eu era a responsável pela revista Fatos & Fotos, cujo diretor era o saudoso Justino Martins, um grande jornalista que me ensinou muito sobre o glamour do cinema. Justino nunca deixava de cobrir os festivais de cinema de Cannes (França). 
     A redação da revista Fatos & Fotos era formada só por intelectuais: Ruy Castro, Renato Sérgio, Júlio Bartolo, Marco Santarrita, José Guilherme Correia, José Esmeraldo Gonçalves. Detalhe importantíssimo: eram eles que escreviam os textos das minhas reportagens de moda. E todos eles me tratavam muito bem. Eu produzia as imagens. A minha parte sempre foi imagem. Aliás considero que cabe ao produtor de moda botar a mão na massa e criar a imagem, materializando o desejo de um diretor e/ou de um editor.
     E cabe ao produtor ser discreto, ser simples. Nada de ficar se vangloriando, de ficar cheio de pose, se achando o máximo. Considero que a simplicidade é sinônimo de profissionalismo. Pois o bom produtor é 'um pé de boi', um obstinado, um trabalhador, um ser criativo, um observador, além de ser muito organizado, porque a produção exige disciplina. Nesta profissão não existe o 'showman' nem o 'show- woman'. Tudo é um trabalho de equipe, tudo necessita ser coordenado. Nada se faz sozinho.Para realizar a produção de uma simples foto, o profissional vai precisar chamar um fotógrafo (que às vezes leva um assistente), um maquiador, um cabeleireiro, além de ter que marcar - caso o trabalho seja externo - uma van, que transportará toda a equipe e o material necessário. E a equipe necessita estar antenada.
     Tudo isto que estou contando para vocês eu fui aprendendo na prática, porque na época que eu comecei a trabalhar como produtora de moda ainda não existiam, no Rio de Janeiro e nem no Brasil, os cursos de estilismo e muito menos os cursos de produção de moda.
     Quando saí da Bloch Editores fui para a Editora Vecchi e, posteriormente, para a Editora Rio Gráfica (que hoje se chama Editora Globo) onde fui trabalhar na revista Moda Brasil. Um parêntese: no meu curriculo profissional há também uma passagem pela revista L'Officiel, onde fui editora, além de um retorno à Bloch Editores, como coordenadora de moda, no período em que a editora era Angela de Rego Monteiro.
     Quando a Moda Brasil fechou eu senti que o mercado editorial iria afunilar e fiquei aflita. Tinha muito medo do desemprego, porque, na época, eu havia me tornado arrimo de familia: era responsável pela minha filha, tinha um pai doente, uma irmã doente e, depois, minha mãe também adoeceu. Eu havia me tornado responsável por todas as contas da minha familia. 
     Artur Bernstein, que foi proprietário da agência de publicidade SGB, vendo a minha aflição, me convidou para montar o primeiro departamento de moda dentro de uma agência de propaganda. Assim nasceu a Fashion, que vem a ser a empresa que tenho junto com a Ana Maria Andreazza. 
        Na Fashion realizamos todos os tipos de produção, ou seja, produção de fotos (editorial e/ou publicidade), produção de eventos, produção de desfiles, etc. E se uma pessoa deseja ter uma grife/uma marca/uma etiqueta de moda, nós damos toda a orientação e ainda indicamos os profissionais que ela necessita contratar. Eu também desenho muito. Faço minhas 'bonequinhas', sem nunca ter feito um curso. Aliás nunca pensei que iria ganhar (como acabei ganhando) dinheiro com os meus croquis.
     Da prática para a teoria: fui a professora de produção de moda do curso de estilismo do Senai/Cetiqt e organizei desfile de moda com as roupas criadas pelos alunos do Senai. Passei para os meus alunos o que aprendi na prática da profissão. Depois, também ministrei aulas de produção na Faculdade Candido Mendes,Rio de Janeiro. Acabei deixando de lado a profissão de 
professora, geralmente mal remunerada.
     Trabalho 18 horas por dia. Adoro trabalhar. Atualmente tenho também um pequeno escritório em Paris (França), pois a minha filha Daniela casou-se com um francês e tornou-se mãe, aos 21 anos, de duas filhas gêmeas. Meu pequeno escritório parisiense funciona na casa da minha filha, para onde vou duas vezes por ano. Minha constante companheira de viagem é a jornalista Iesa Rodrigues. Em Paris vou a todas as feiras, observo os lançamento e o comportamento das pessoas.
     O que é moda? Para mim é, sobretudo, reflexo da sociedade. E os franceses estudam, como ninguém, o que está acontecendo no mundo. São grandes filósofos.
     Muitas vezes já trabalhei (e trabalho) na montagem do visual para um personagem de novela. Para este trabalho, o produtor necessita estar antenado. Tem que saber de tudo, pois acaba trabalhando com o mesmo painel do historiador, do cientista social. Eu também utilizo  muitos métodos de psicanálise no meu trabalho, pois para montar um painel eu necessito, por exemplo, saber quem é o personagem, como ele (personagem) se comporta, o que ele pretende, etc.
     O Brasil ainda não tem confiança. Os profissionais de moda necessitam sempre do aval de alguém de fora, do exterior. Apesar deste insegurança, o mercado de moda cresceu muito e as pessoas estão se profissionalizando. Eu sou a favor dos cursos de formação profissional."


(Depoimento de Silvia de Souza, sócia-proprietária da empresa Fashion, para o livro 'Um negócio chamado moda', editora Senac, primeira década do século XXI)

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