segunda-feira, 7 de abril de 2014

NÓS SOMOS COLONIZADOS

     "A indústria têxtil nacional enfrentou grandes problemas na década de 90 do século XX quando, desaparelhada, com teares rudimentares, defasada, se viu obrigada a competir , no mercado interno, com produtos asiáticos, altamente competitivos e também baratos.
   
     Inteiramente despreparada para a concorrência, muitas empresas nacionais faliram. Aliás foi grande o número de falências nos anos de 1997 e 1998! Quem sobreviveu se viu obrigado a importar novas máquinas , novos teares. Houve, também, uma movimentação, por parte de algumas indústrias têxteis de reorganizar o mercado. Eles exigiram, do Governo Federal, uma regulamentação das cotas de importação, a fim de poderem reconquistar o mercado interno.
     Nesse início de um novo século e de um novo milênio existe um número bom de empresas têxteis que oferecem um produto de qualidade, diferenciado. Estão melhores os processos de estamparia; há bons desenhistas que trabalham no mercado. Mas existe, ainda um ranço, um ranço de colonizado, que todos nós temos um pouco. Ou seja, ainda se acha que um tecido com uma estamparia, um desenho italiano vai vender mais do que um tecido com estampa original, criada por um desenhista nacional. E há quem ainda exija dos nossos desenhistas que eles sejam capazes de desenvolver uma estética italiana ou francesa ... Ou será melhor americana? E por que não a estética inglesa ou japonesa?
     E nós que temos uma costa imensa, somos cercados por praias, podemos desenvolver uma incrível estética de cor e levar a nossa mensagem de cor para os estrangeiros. Há um pequeno grupo de empresários e de desenhistas têxteis que está propondo o novo, que valoriza a criação de uma identidade nacional. Mas, na verdade, há uma imensa parcela do público-consumidor que está acostumado a ser colonizado e que gosta apenas do que vem de fora. Para eles, o que vem do estrangeiro, o que vem da Europa, o que vem dos Estados Unidos é que tem qualidade, é bom.
     Acredito que as diversas escolas de moda que existem pelo país afora e as que ainda vão surgir serão capazes de lançar, no mercado, profissionais capazes de nos fazer sair desta condição de copistas históricos. Mas será preciso fazer um grande esforço para também mudar a cabeça do consumidor, para acabar com este ranço da cópia. Temos condições de criar aqui, no Brasil, tecidos com imensa qualidade estética, bem feitos, e a preços competitivos. Mas como a cópia é ainda muito valorizada, bons desenhistas, recém-formados em escolas de moda, preferiram ir para o exterior, onde há espaço para desenvolverem suas criatividades, do que ficar aqui, apenas copiando. As etiquetas Prada e Gucci, por exemplo, foram intensamente copiadas, no mercado interno, durante uns seis anos. E nem se podia dizer que era "uma inspiração em Gucci ou uma inspiração em Prada". Eram cópias mesmo, apresentadas nas principais passarelas do país.
     Considero que a Rhodia foi um marco importante no desenvolvimento de uma identidade da moda nacional. Coube a ela criar os primeiros cursos de formação profissional. O curso de moda da Faculdade Santa Marcelina, fundado em 1988, é um dos mais antigos do país. Para vocês verem, como moda, enquanto estudo, reflexão, é algo novo para nós. No Japão, mais precisamente em Tóquio, existe uma escola de moda que foi fundada em 1890. Ou seja, há mais de cem anos os japoneses investem na formação de profissionais de moda, incluindo estilo, modelagem, desenho têxtil, desenho artístico, croquis, etc. Não é à toa que eles se destacam, como criadores, no mercado internacional. Não é à toa que a moda criativa domina as ruas de Tóquio."
                                                                         
     Vera Ligia Pieruccini Gilbert - ex-coordenadora do curso de moda da faculdade Santa Marcelina, São Paulo, SP - em depoimento para o livro "Um negócio chamado Moda",escrito por mim para o Senac Nacional.                                                                  
                                                                           
                                                                       
                                         

Nenhum comentário:

Postar um comentário