segunda-feira, 21 de abril de 2014

MARILIA VALLS POR ELA MESMA

     "Tem um filme de Fellini chamado "A Estrada" com Anthony Quinn e Giulietta Massini, que é o filme da minha vida. Ele faz o cigano Zampanó ela, a Gelsomina. Ele é todo brutal, ela é frágil, praticamente indefesa.
     Os dois são artistas mambembes percorrendo um mundo que nunca se preocupou em garantir a felicidade de ninguém. Para ambos, é o mesmo mundo. Mas eles o vivem de maneira tão diversa ... Gelsomina acaba destruída. Zamparó também, apesar da sua força. É como se um precisasse do outro. E é como se às vezes eu me olhasse por dentro e visse convivendo nesta mulher Zamparó e Gelsomina.
     Fui criada desde pequena para ser exibida. Era uma criança linda: minha mãe me enfeitava e me levava à rua para que me olhassem como se eu fosse uma boneca, uma prenda. 
     Esse é o meu lado "pink", a necessidade de ser admirada, de receber reconhecimento e mesmo elogios. E, de repente, tive que ir à luta, enfrentar um mundo para o qual não estava bem preparada nem certa do que queria percorrer. Aí encontrei uma outra coisa dentro de mim que só eu poderia conhecer, antes, de forma intuitiva: aquele meu lado animal que me empurrava para a frente, me dava força, me jogava para um canto e outro, com uma fome de chegava a me assustar. 
     Até 31 (trinta e um) anos, quando me separei de Ferreira Vianna, vivi meu lado "pink". Usava a fragilidade para representar o que esperavam de mim no mundo. 
     Depois, descartei-o e passei a ser mulher de luta. Demorei muito e dei várias cabeçadas por aí até compreender que não era nem uma nem outra coisa, exclusivamente. Era Gelsomina e Zamparó. Um sem o outro está mutilado, incapaz de sobreviver."


Foto de Rogério Ehrich

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