sexta-feira, 19 de agosto de 2016

ANOS 50: OLHANDO PELO BURACO DA FECHADURA
























Fecho os olhos e revejo, com detalhes, a cena que ocorreu há 
algumas décadas, no século XX: No quarto, com três camas, 
Rachel e Sandra conversam,
 enquanto eu, com apenas seis anos, ouço e
presto atenção em cada detalhe da conversa. 
Enquanto falam, elas trocam de roupa: é hora de vestir a 
 camisola, para dormir.
De repente, minha irmã Rachel ouve um barulho e
abre a porta. Do lado de fora, nas pontas dos pés, está nosso 
irmão Marcelo, olhando pelo buraco da fechadura. Rachel dá 
uma bronca bem-humorada e a partir de então, elas passam a
deixar pendurado um sutiã com enchimento de espuma, na
altura do buraco da fechadura.



Estamos em Roma, no final dos anos 50. No apartamento 
alugado pelo meu pai, me coube dormir com Rachel, minha
irmã (onze anos mais velha) e com a Sandra Maria 
Cordeiro de Melo, que havia, em 1953,obtido liminar da justiça 
contra o veto do chanceler Oswaldo Aranha que proibiu em
1938, o ingresso das mulheres nos quadros no Ministério 
das Relações Exteriores. Sandra pode, então,prestar
concurso e ingressar no Instituto Rio Branco, "criando assim,
jurisprudência sobre o assunto. De acordo com o "Dicionário
das Mulheres do Brasil",organizado por Schuma Schumaher
e Érico Vital Brazil ( Jorge Zahar Editor,2000,RJ), "o processo
de Sandra Maria fez com que, em dezembro de 1954, fosse
aprovado, pelo Congresso Nacional a lei que garantiu,
definitivamente, o acesso das mulheres à carreira diplomática".

 Corta: volto para o pequeno quarto, onde eu dormia, com a
minha irmã Rachel e com a Sandra Maria, minhas ídolas. Eu
as ouvia,ouvia, ouvia, enquanto meu irmão Marcelo, que antes
de irmos para Roma, Itália, dormia em um quarto comigo,
tentava, até ser pego, descobrir a intimidade feminina, através
do buraco da fechadura.
 Ecoam, ainda hoje, as conversas de Sandra Maria, que foi
morar conosco, ao chegar em Roma e não encontrar, no
consulado e nem na embaixada um ambiente acolhedor. Era a
única mulher brasileira diplomata em Roma. E ficou morando 
conosco até encontrar um apartamento para alugar. Creio que
ela, bem-vinda, procurou casa sem pressa, pois por mais de 
um ano dividi com ela e Rachel um dos três quartos do 
apartamento dos meus pais, onde sempre havia muita gente, 
contando meus irmãos mais velhos, primos, amigos dos
irmãos, amigos dos primos, etc.
Sandra já falecida recordo aqui, porque jamais vou me esquecer da sua
calma, sua inquietação criativa e da sua doçura.
Foi dela que ouvi, ainda criança, que as mulheres no Brasil

eram desunidas e lutavam pelos homens: bom casamento era
o que elas sonhavam e desejavam, 
pois significava segurança.   
Mas Sandra Maria ainda era solteira e deu 
valor a ter uma profissão e uma profissão que a partir de 1938
tinha sido proibida para as mulheres: a carreira diplomática.
Sandra lutava, remava, tinha vitórias mas era olhada meio
de lado, de "esguela"por algumas esposas de diplomatas que
 temiam aquela mulher
independente, senhora de si, assalariada. Mas ela jamais 
devolvia agressão com outra agressão. Ela conversava com
  a minha irmã Rachel, falava comigo e algumas vezes,
lia alto trechos de livros, inclusive de Simone de Beauvoir. 
Sandra Maria que às vezes lastimava ser uma "abre-alas", 
acreditava que teria sido mais feliz se tivesse tido um
comportamento tradicional: ter casado, tido filhos e ponto.


Sandra Maria, que hoje, agosto de 2016, século XXI, 
muitas diplomatas brasileiras sequer
sabem que ela existiu. Sandra Maria que, posteriormente, ao
se casar, afirmava que não suportaria uma
infidelidade. Sandra Maria que dizia: jamais tive e jamais terei
um affair com algum marido de amiga ou conhecida: 
"Respeito minhas amigas, assim como os homens respeitam
seus amigos casados". Sandra Maria, mulher independente,
intelectual brilhante, diplomata, mas que também gostava de
cozinhar, de bordar, de chulear, de cerzir: oficios que ela 
considerava relaxantes. Sandra Maria que nos dizia: "todo
oficio é nobre, desde que o façamos com dignidade".
Sandra Maria que exerceu com amor o seu oficio de diplomata.
Sandra Maria que usou, assim como minha irmã
Rachel, os sutiãs com bojos,que acolhiam os "seios-globos, 
bem erguidos." 
A moda era o sutiã com pespontos em espirais
nos bojos, frequentemente com enchimentos, sobretudo para
mulheres com busto pequeno, como era o caso da minha irmã
Rachel. O sutiã-bojo tinha alças reguláveis, que foram criadas 
para levantar o busto. Para quem tinha barriguinha ou 
estômago saliente, havia as cintas que mantinham o estômago
achatado. Meias, indispensáveis, pediam a cinta-liga, pois
não se usava ainda as meias-calças. Os fios sintéticos, 
principalmente o nylon, pesquisados na Segunda guerra para 
fins bélicos, passaram a ser utilizados na roupa íntima. Ideais
de beleza da época: Gina Lollobrigida, Jane Mansfield,
Marilyn Monroe. Sofia Loren, com seus bustos amplos,
"montanhosos". Nos filmes do Frederico Fellini, as mulheres
"exibiam seios espantosos, de grandes/volumosos".
Mas a gravidez era a "prova do pecado original", Grávidas
perdiam suas cinturinhas de vespa, suas cinturinhas finas 
  (tão na moda, na época) e passavam a esconder seus corpos e a
viver reclusas, usando batas plissadas.  

 Gravidez exigia repouso, descanso e
roupas sisudas, discretas. Lembro-me da 
esposa do consul brasileiro em Roma. Ela grávida, apareceu
lá em casa com uma bata ampla toda plissada, parecia uma
cortina. Marcelo, com 4 anos, fez uma peraltice: 
 correu e levantou a bata para ver o que
havia por debaixo. Outros tempos, outras estéticas. 
,

Na próxima postagem, continuarei a falar sobre as camisetas.
Não o fiz agora, pois fui atropelada pelos fatos: Nasceu o
primeiro neto do meu irmão Marcelo, falecido em 1987, aos
33 anos. E me veio na cabeça essa homenagem a ele, a 
minha irmã Rachel e a Sandra Maria, ambas também já 
falecidas. Dizem que nossos mortos morrem quando são
sepultados e quando não mais falamos neles. Aqui, o meu
carinho, afeto para minha irmã Rachel, meu irmão Marcelo e
Sandra Maria Cordeiro de Melo, a mulher que abriu a partir
 de 1954 as portas do Instituto Rio Branco, para todas as
mulheres brasileiras. Sandra Maria, antes de tudo uma 
sonhadora, uma idealista. Maiores informações sobre Sandra
Maria leiam, por favor, o verbete Maria José de Castro 
Rebelo Mendes, no livro "Dicionário mulheres do Brasil", 
Jorge Zahar Editores. Em tempo: Maria José, primeira mulher
a se inscrever em um concurso para o Itamarati. O ministério
das relações exteriores não aceitou sua inscrição. 
Teve, então, como advogado, Rui Barbosa. O ministro
Nilo Peçanha acabou deferindo o pedido. Maria José teve um
desempenho brilhante no dificílimo concurso e classificou-se
em primeiro lugar. 
"Alheia a toda polêmica que gerou, na época, Maria José 
assumiu as funções no Itamarati, onde sempre manteve um
estilo discreto. Em 1921, entrevistada pelo jornal "A noite" 
respondeu que caso viesse a se casar, só continuaria 
trabalhando, caso fosse necessário, para complementar
o orçamento familiar e enalteceu o papel da mulher 
companheira, fiel e mãe extremosa. (...) Em 1934, já casada 
com o diplomata Henrique Pinheiro de Vasconcelos, pediu sua
aposentadoria do serviço público." Maria José faleceu em 1936
e em 1938, o chanceler  Oswaldo Aranha proibiu o ingresso
de mulheres nos quadros do nosso Ministério de Relações 
Exteriores, realidade que coube a Sandra Maria  modificar, 
mudar, abrindo, de vez, o caminho para todas as brasileiras.  

Abaixo, escaneadas, fotos da minha família: meus pais, 
meus irmãos e fotos minha e de Marcelo, andando de
bicicleta no Parque Borghese, em Roma. Também anexei
o filme "Minha vida de Cachorro", onde o menino-personagem 
sonha, folheando uma revista com ilustrações de peças
"intimas"femininas. O valor, a importância da imaginação,
Na época não existia o "selfie", câmaras por todo
o lado, registrando todo e qualquer ato, sem dar margem
à imaginação humana. É preciso ser cautelosa no uso da
tecnologia. 
Bibliografia: Dicionário das mulheres do Brasil, página 396, 
verbete Maria José de Castro Rebelo Mendes (1891-1936). 
Lamento não haver, no Dicionário das Mulheres do Brasil,  
um verbete para a Sandra Maria Cordeiro de Melo.


Sou grata, muito grata ao artista plástico, Robson Granado que
reproduziu a cena do meu irmão Marcelo olhando pelo
buraco da fechadura, no final dos anos 50. 

Escaniei e colei imagens de sutiãs da época, assim como
o estilo da época, que exigia cinturas finas, cinturas de 
pilão, de todas as mulheres.





MINHA VIDA DE CACHORRO (1985) DUBLADO - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=vdtDntR1X7U
23 de set de 2015 - Vídeo enviado por PORTAL DO TEMPO
MINHA VIDA DE CACHORRO (1985) DUBLADO ... Fluke – Lembranças de Outra Vida - Filme dublado em .



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