segunda-feira, 31 de março de 2014

O CORPO FEMININO FRAGMENTADO , NA MIDIA

     " As bundas são lindas, assim como as bocas eram lindas, no tempo do cinema mudo", afirmou a estilista Marilia Valls, quando lhe perguntei o que achava do "circo" da hiper visibilidade das nádegas femininas na mídia, nos atuais tempos modernos, neo liberais, desta primeira década do século XXI.
     Diz o filósofo Gilles Deleuze: "quando a boca morreu, consultaram as outras partes do corpo para se saber qual delas é que havia de se encarregar do enterro (...)"
     Quanto mais as midias neo-liberais dizem que são livres, e chegam a defender um não compromisso ideológico, mas se percebe que há um compromisso sim, de esvaziar todo e qualquer pensamento que tenha uma ideologia, desmistificar tudo e todos, sobretudo, no caso das imagens femininas, a sensualidade. O que se vê é uma sensualidade "normatizada/formatizada", uma mega exposição de orgãos sexuais, a sexualidade mecânica, óbvia, feito nos filmes pornográficos.
     Os recortes do corpo, ali uma bunda, ali seios siliconados, ali umas coxas que receberam "injeções" de  silicone ou de anabolizante. O ato de fragmentar o corpo, permitiu, hoje, que a bunda se torne a cara. Há inclusive uma música chamada "Pagu" (uma homenagem a Patricia Galvão, participante da Semana de Arte Moderna de 1922) de Rita Lee e Zélia Duncan, gravada por Maria Rita, filha de Elis Regina, onde a letra afirma: "Nem toda brasileira é bunda, meu peito não é de silicone. Sou mais macho que muito homem (...)"
     De máscara, botas e chapéu de vaqueira, Michele P é a  "Bandida" e afirma , em entrevista à revista Isto é: "exponho meu corpo, minha bunda, meus peitos numa boa. Mas escondo a minha cara. E faço o "funk" da 'Bandida' - vou roubar os corações dos peões, vou seduzir, quero todos para mim. Mexo tanto com o libido masculino que precisei sair escoltada na última festa dos peões em Barretos, interior de São Paulo. A "Bandida" vem a ser um clone da ex-Feiticeira e da ex-Tiazinha. No caminho oposto dos palhaços, com suas roupas largas, sapatos grandes, nariz vermelho e um eterno sorriso, mestres na arte de provocar sorrisos, a "Bandida" e outras mulheres que circulam pelas grandes pequenas cidades do Brasil, com suas bundas bem destacadas, almejam provocar o libido, e para isto vale tudo.
     Numa entrevista, a crítica Barbara Heliodora afirma que o teatro, no momento, chama/atrai  o público pela nudez, pelos gestos obscenos e pelo uso ostensivo de palavrões. "Há muitas comédias apelativas, de baixaria. Tudo é chanchada. A coisa que mais incomoda hoje em dia no teatro, o que me dá vergonha, é ver o público cair na gargalhada cada vez que uma atriz solta um palavrão. Me dá vergonha, como brasileira,  as pessoas acharem aquela baixaria uma maravilha" E conclui a Bárbara Heliodora: "Não estou querendo censurar, nem quero um teatro moralista. Mas não se pode deseducar a este ponto. Onde estão os sonhos, onde está a ideologia? Shakespeare escrevia teatro popular. E teatro popular não precisa ser ruim, vazio."
     No mix original de atração consumista: a bunda e os peitos, manipulação de símbolos. Aceitamos nossa "inferioridade" neste paternalismo "soft"?  A nossa garantia de paz social é realizada através do trabalho (custo baixo) e baixa escolaridade.
     No jornal O Globo volta-se mais uma vez a se dizer que a prostituição de adolescentes "não tem mais hora , nem lugar. No sábado, por volta das 13 horas, uma mulher de uns 40 anos abordava homens desacompanhados na fila de uma rede de "fast-food", em Copacabana,  zona sul do Rio de Janeiro. Oferecia meia hora de sexo, com uma menina que aparentava 14 anos por R$ 20,00 (vinte reais)".

(um texto realizado quando fazia mestrado de comunicação e cultura na UFRJ - 2002 - professora-orientadora: Raquel Paiva.

QUEM FOI ELSA SCHIAPARELLI?

     Ao cantar "por isto não provoque, é cor de rosa-shocking", nos recentes anos 80, Rita Lee estava, indiretamente, homenageando, uma grande estilista/criadora italiana, que se imortalizou em Paris, capital da França, ao criar, entre muitas outras coisas, a cor rosa-shocking, que tornou-se, décadas depois, sinônimo de mulher na voz da nossa Rita e também na cabeça de todos os terráqueos.
     Elsa nasceu em 1890 e até 1973 (ano da sua morte) ela foi uma estilista que nunca deixou de ser, antes de tudo, imaginativa. Adepta do surrealismo, sua maior marca foi a proximidade que construiu entre os estillos que propunha e os movimentos de artes plásticas em voga. Realizou criações bizarras, baseadas no surrealismo e no nonsense. Em 1937, lançou o chapéu-telescópio. Também foi a primeira estilista a licenciar seu nome como marca, depois de assinar óculos e sapatos de produção industrial. Ela foi uma mestra em lançamentos de grande repercussão, compondo coleções inteiras inspiradas em um determinado artista plástico.

(texto publicado no jornal do NiteróiShopping - RJ)
Na foto, Elsa Schiaparelli

sábado, 29 de março de 2014

VIVA A ORDEM E O PROGRESSO


Uma salva de palmas para a ordem por manter essa nossa fabulosa cultura machista sobre o estupro e um coro retumbante para o progresso por ter garantido que a mulher que apanha possa dar o seu devido troco na justiça.

Nenhuma mulher merece ser estuprada,isso é absurdo,até porque vestimentas não influenciam nem impossibilitam esse crime,pois nem as "sagradas" burcas, da cultura islâmica, impedem um homem de violentar uma mulher.

A pensar,66% dos entrevistados são mulheres e mais da metade das vitimas de estupro são menores de idade,ou seja,casos de pedofilia.Será que essas crianças provocaram?
Foto: #EuNãoMereçoSerEstuprada  #ninguémmerece Essa foto se refere a um protesto online, devido a pesquisa do IPEA: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/03/para-585-comportamento-feminino-influencia-estupros-diz-pesquisa.html

Os dados referentes às demais perguntas da pesquisa se encontram no link abaixo:
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/03/para-585-comportamento-feminino-influencia-estupros-diz-pesquisa.html

sexta-feira, 28 de março de 2014

PENSAR MODA

"Eu me lembro, quando era tão pequena que mal podia ler, de ter visto uma historia em quadrinhos com  dois homens tomando banho numa praia solitária. Eles começaram a conversar e se deram esplendidamente bem. Depois de  nadarem  e  tomarem sol, refugiaram-se  atrás de duas distintas pedras para se vestirem.  Um saiu vestido feito um dandy, com bengala com cabo de prata.O outro saiu em frangalhos, esfarrapado, maltrapilho. Estupefatos, um olhou para o outro  e, com um frio aceno, se viraram e foram por caminhos separados:  nada mais  tinham em comum.

Isto me faz recordar a historia do  príncipe triste,que, para obter felicidade, foi orientado a vestir a camisa de um homem inteiramente feliz. Ele cruzou o mundo até que achou, trabalhando no campo,  um  homem que lhe pareceu feliz.O príncipe então lhe ofereceu todo o seu reino em troca da sua camisa.  O velho homem  porém lhe disse que nunca  havia tido uma camisa. "

(traduzido, ao pé da letra, da biografia da estilista Elsa Schiaparelli)



"Não há mesmo perigo nenhum em fingir-se de morto?"  Molière, "O doente imaginário", ato III, cena 11

quinta-feira, 27 de março de 2014

VITRINES: SONHOS EM COFRES DE VIDRO - Texto de Ruth Tavares

     Linguagem visual , as vitrines exercem grande fascínio sobre as consumidoras. Não há quem resista ao seu clima de sonho e fantasia que nos faz esquecer, por segundos, a rotina.




     Parou diante da vitrine. Olhou. A adrenalina correu pelo seu corpo. A canga com estampa graúda, vistosa, despertou-lhe paixão à primeira vista. Em fração de segundos já estava dentro de uma cabine, com o pano na mão. Despiu-se. Seguindo as orientações da vendedora, tentou envolver seu corpo no tecido. Gorda, roliça mesmo, ela perdeu algum tempo a desobedecer todas as leis do bom senso: sobrava corpo, faltava pano. "Mas ficou tão lindo, na manequim ..." Não desistiu. Enrolava para cá, enrolava para lá e nada. Até que a vendedora veio em seu socorro e deu a única solução possível: "O jeito é dar um nó nas franjas" Ufa. Que alivio. Finalmente coube. A amarração estava mambembe, mas coube ... Pagou e saiu satisfeita, alheia aos comentários irônicos, feitos na surdina.
     Historinhas como essa já se tornaram um lugar-comum nas lojas dos shoppings centers dos grandes centros urbanos. Ignorando o poder lúdico, a sedução que as vitrines exercem, muitas consumidoras são presas fáceis.

                                        O RISCO DO IMPULSO
     "A vitrine é o palco onde a estrela é o produto. Essa afirmação do austríaco Silvio Kleinburd sintetiza o poder daquela que representa 50% do apelo ao consumo. Para não se cair na fantasia criada pelas vitrines, é necessário observar, com atenção, a peça exposta. Segundo a vitrinista Sandra Burle Marx Smith dá para perceber, olhando uma vitrine, o nível de acabamento e de qualidade de uma roupa. Mas só experimentando a peça é que a consumidora vai constatar se ela cai bem no seu corpo. Compras feitas  por impulso são arriscadas. "Quando vejo e gosto de uma roupa, não decido na mesma hora. Dou uma volta pelo shopping center. Retorno à loja e olho. Passeio um pouco mais. Só na terceira vez é que decido, desde que o preço esteja condizente com o meu salário", afirma Sandra Smith.
     Esfriada a empolgação, o olhar fica mais atento, mais crítico e, consequentemente, mais saudável. Dá para escapar de ciladas do gênero comprar uma peça que não combina com absolutamente nada que você já possui no seu guarda-roupa.  "É comum a consumidora se identificar com a vitrine e querer sair exatamente igual", afirma a vitrinista Grace Máximo Wasth Rodrigues. Para ela, as pessoas gostam de sair bonitas das lojas. "A consumidora entre para comprar uma calça. Se experimenta com a blusa que está, não dá. Deseja, também, uma blusa nova. A própria vendedora já mostra outra peça e sugere: 'Coloque para ver como você vai ficar.'

                                     O PODER DE CRIAR
     Esse jogo de uma roupa que leva a outra é perigoso. Pode-se ,facilmente, acabar comprando, em função de uma simples blusa, uma nova calça, um novo lenço e até um novo sapato. Aí residem as consequências de um bom (e prestimoso) atendimento, a criatividade da vendedora que vai "embalando" cada peça que apresenta com adjetivos e elogios fantásticos : "Você está maravilhosa com essa roupa ..." Embriagada pelos elogios, pelo clima de sonho, a consumidora deixa a loja cheia de sacolas e ... com um crediário.
     O jeito de escapar dessa emboscada é manter a lucidez. Para a desenhista industrial Margareth Ribeiro, que já desenvolveu diversas vitrines, inclusive as vitrines das lojas Cantão, "há peças básicas que podem ser compradas sem susto. Tudo depende do poder de criatividade de cada uma. A forma de vestir, a maneira de combinar a peça, é algo muito pessoal. Uma jaqueta jeans, por exemplo, pode ser usada até com uma calça de seda". Outro básico lembrado por Margareth é o blazer, "sempre muito útil."

                                      O ESTILO CONTA
     Minimalistas ou abarrotadas, com bonecos, com display, com ou sem preços. Afinal, qual é a vitrine ideal? Como todos os segmentos da indústria da moda, a vitrine está sujeita às marés de modismo. Preços em vitrines são muito usados. Para Sandra Burle Marx Smith colocar o preço facilita. "A pessoa vê logo se pode comprar ou não".
     A escolha de um presente numa vitrine deve levar em conta vários fatores. Marco Sabino, por exemplo, é da opinião que o presente funciona se comprado de acordo  com a personalidade da pessoa. "Se ela gosta de brincos enormes, quem vai presentear deve selecionar o que acha bonito dentro desse estilo." Já Grace Máximo Wasth só oferece o que lhe agrada. "O presente deve agradar primeiro a mim, depois aos outros." Uma posição intermediária é de Margareth Ribeiro. Para ela, o importante é se levar em conta o que existe em comum entre a pessoa e o presenteado.

                                    PEDACINHOS DE SONHO
      Com suas luzes, decorações e efeitos especiais, as vitrines são importantíssimas no cenário urbano. Sem elas, um shopping center se tornaria um labirinto.
     Essas janelas para o devaneio já mereceram a atenção de Chico Buarque, que sobre elas criou os seguintes versos "...Nos teus olhos também posso ver as vitrines te vendo passar". Gilberto Gil também se deteve ao assunto e assim expressou o fascínio que elas exercem: "As vitrines são vitrines/Sonhos guardados perdidos/Em claros cofres de vidro."


                                                     
                                  MANTENHA A LUCIDEZ 
     Não há maneira de você saber se uma roupa que foi colocada na vitrine, com todo o apuro de um profissional especializado nessa arte, vai lhe cair bem. O jeito é experimentar e ver como ela fica.
     * Evite fazer compras se estiver em estado depressivo, sentindo-se angustiada ou carente. Esses estados emocionais, tão comuns, podem lhe levar a tentar compensar o que está lhe faltando através da aquisição de uma roupa nova. Cabeça no pé, como se diz popularmente, não proporciona boas compras.
     *A falta de perspectivas diante do futuro gera angústias. Daí para o consumo de pequenas peças, como forma de compensação , é um pulo.
     *A busca de critérios objetivos e um real conhecimento de sua silhueta, do seu corpo,  podem lhe poupar dissabores do tipo comprar uma roupa e, ao chegar em casa, se arrepender e ficar se perguntando: "O que vou fazer com isso?"

(texto realizado para a Editora Abril onde trabalhei assinando com o pseudônimo de Ruth Tavares - meu nome com o sobrenome de solteira da minha mãe Aglaé)
     

quarta-feira, 26 de março de 2014

A HISTÓRIA DA LINGERIE - Texto de Ruth Joffily

     A folha de parreira era, na verdade, roupa de cima e não roupa de baixo, assim como o top-sutiã, criado pelo estilista francês Jean Paul Gaultier e difundido internacionalmente pela cantora Madonna.
     Entre uma criação e outra, há um intervalo de milênios, e toda a história da humanidade.
   
     Ao atrair as atenções mundiais -- via satélite -- para seus  seios, Madonna reviveu certas civilizações da Antiguidade, em que as mulheres eram deusas, e seus bustos adorados como símbolos da fertilidade. Foi um tempo que ficou para trás, na história anterior era cristã, quando as mulheres de Creta, por exemplo, eram protagonistas na vida social. Com direitos iguais aos dos homens, elas participavam das capturas dos touros e das expedições marítimas. As mulheres cretenses das classes sociais mais altas circulavam, feito Madonna nos anos 90 do século XX, com os bustos nus. Já as mulheres tidas como bárbaras -- um exemplo são as celtas, retratadas no romance "As Brumas de Avallon" de Marion Zimmerbradley, deixavam os seios livres, apenas cobertos por túnicas muitas vezes transparentes. Daí pode-se até dizer que a audácia dos anos 60 do século XX -- andar com os seios empinados e libertos por debaixo de uma justa camiseta  -- foi uma retomada, com adaptações, de modos de vestir correntes em momentos históricos anteriores, como o das mulheres celtas, poderosas em suas magias, capazes de premonições, bruxas enfim.
     Um protótipo de sutiã -- faixa de tecido, frequentemente vermelha -- surge na civilização grega. Os seios, então, foram cobertos, não por uma questão de pudor, mas por razões estéticas. É famosa a paixão dos gregos pela harmonia e pela beleza. Desejavam preservar os seios femininos das temíveis consequências da lei da gravidade. Eram estetas.
     Já a civilização romana era marcada,neste período, por um espírito repressor, ao passar a evitar o crescimento dos seios. A orientação do Estado romano foi  a de achatar o busto das mulheres, que não podiam ostentar seus naturais atributos femininos e possuíam, dentro da sociedade, menos direitos do que os homens. A conduta "destas pequenas criaturas", como as chamavam certos autores romanos, não atraía o interesse do mundo exclusivamente masculino dos políticos. Segundo o historiador norte-americano Peter Brown, os notáveis da antiga Roma tinham tendência a submeter suas mulheres a um código austero, próximo ao que hoje é vigente nos paises islâmicos. Esses princípios rígidos só não valiam para as mulheres do povo.
     Para  os moralistas, a mulher era uma pecadora inata. E os seios, a expressão do pecado. Aliás, por longos períodos históricos, a mulher como atração do mal era vista, como se diz em cinema, em plano americano, ou seja, da cintura para cima. Tanto que pouco se fala sobre as primeiras calcinhas ou calções. Diz a lenda que as egpcías   usavam panos amarrados, feito fraldas. Outra versão pretende que, em Atenas, as mulheres contrariadas com as guerras constantes, que afastavam os homens, resolveram promover uma guerra dos sexo, que incluía apertar os seios e nádegas com faixas de tecidos. Estas faixas teriam  sido o primeiro sutiã e a primeira calcinha.
     O poeta francês Paul Verlaine afirma que as nádegas são as irmãs mais velhas dos seios. Ou seja, que elas, nádegas, haviam atraído as atenções na pré-história, na época do homem da caverna, quando o ser humano ainda não havia assumido uma posição erecta. A partir do andar com dois pés é que surgem as atenções para os seios.
     E os seios vão se tornar o centro das atenções -- como fonte de vida ou como a razão do pecado durante  grandes períodos da História, salvo algumas interrupções. Uma dessas interrupções foi a Idade Média, época em que o ventre foi endeusado e valorizado inclusive no corte das roupas. Numa Europa com reduzida população, baixíssima natalidade, a barriga grande, a barriga globo-terrestre era sinônimo de ventre fértil. Para realçar seus ventres, as mulheres da época chegavam a usar, por baixo da roupa, um saco acolchoado. Já na Renascença, as atenções se voltam, novamente, para os seios. Outra vez um poeta, o francês Clément Marot, faz rimas em torno do belo bico do peito (em francês beau tétin): "bico do peito, melhor do que qualquer coisa" ("tétin, plus beau que nulle chose"). Os seios femininos eram adulados/adorados pelos homens do século XVI. Um colete bem justo colocado por cima da camisa --- este é o ancestral do temido e todo poderoso espartilho, que haveria posteriormente reinar no guarda-roupa feminino durante séculos. Só caindo em desuso (pasmem!) na primeira década  do século XX.  No fim da Renascença, tem início  uma moda austera, sombria, rígida, influenciada pela moda da corte espanhola. Mas para o imortal paisagista Burle Max (em entrevista ao jornal O Globo):  "as golas altas ocultavam as feridas de sífilis, contraídas pelas rainhas de seus reis mulherengos ..." Passam-se alguns séculos e, com a Revolução Francesa, o interesse volta a se concentrar novamente nos seios. É a moda Diretório, um retorno neoclássico, da antiga Grécia, em que as transparências com gazes e musselinas também lembravam as mulheres celtas, com seus seios libertos. Mas houve quem temesse a tentação destes seios revolucionários. O escritor Pierre de Juvernay, em seu "Discours Particulier contre les femmes débraillées" diz que "a visão de belos seios é tão perigosa para nós (leia-se homens,nota da redação)quanto a visão de uma serpente". Mas as tetas livres e libertárias ficam mais à vista e os decotes se aprofundam, as transparências aumentam, a medida que os discursos libertários florescem. Em 1795, a madame Tallien foi a ÒPera de Paris com uma simples túnica noturna, .... e sem usar nada por baixo!!
     A ideia que os corpos femininos deviam ser contidos/controlados estava a tal ponto enraizada nos espíritos, que logo a seguir reaparece o espartilho, desta vez recoberto de veludo e de cetim. Em 1840, da era vitoriana, a mulher era, definitivamente, um ser inútil, imobilizada pelo espartilho e pela anágua de crinolina. Em respeito à rígida moral vigente no tempo da rainha Vitória, a lingerie (leia-se peças íntimas) era uma palavra impronunciável.
     Em 1887, a francesa Hermenie Cadolle, funda em Buenos Aires, Argentina, a Maison Cadolle. Cheia de energia, muito ativa, Hermenie percebe que o espartilho tornou-se uma peça arcaica, opressora. Este novo movimento libertário também é captado pelos estilistas franceses Paul Poiret e Madeleine Vionnet. Na mesma época, Raymond Duncan e sua irmã Isadora se remetem à moda no estilo grego. Como não conseguem sequer montar um espetáculo nos Estados Unidos, seu país, Raymond e Isadora desembarcam em Paris, no ano de 1903. Isadora vai ser a musa-inspiradora de Paul Poiret, na criação de um  novo estilo que dispensa o espartilho e cria uma moderna peça: o sutiã. Quanto à calcinha, esta manteve-se até o início do século XX na total obscuridade e mantinha-se fiel ao seu tamanho calção ia até a altura dos joelhos. O modelo cavado, justo e menor, como conhecemos atualmente, foi criado em plena Primeira Guerra Mundial, pelo francês Etienne Valton, proprietário da grife  Petit Bateau. Quando foram lançadas, primeiro em versão infantil e,posteriormente, num estilo para mulheres -- as calcinhas  Petit Bateau foram descritas como "culotte sans jambes en tricot"
(numa tradução literal, calças sem pernas, em tricô). Nos anos 20, embaladas pelo jazz, vestindo melindrosas, as mulheres já usavam um sutiã básico e calcinha. Daí para frente, vai haver muita evolução em termos da matéria-prima utilizada. Vem o nailon e, algum tempo depois, a maior invenção: a lycra, que permite maior durabilidade muita praticidade, o lavar dispensando o ferro de passar. Mesmo as rendas dos modelos atuais que revivem décadas passadas, são em lycra, o fio que traduziu, em um determinado periodo, uma maneira moderna de viver. Atualmente, com os movimentos ecológicos, cresce o uso do algodão, algodão com lycra , o algodão puro sem uso de agrotóxico e o algodão sem agrotóxico e colorido,  atualmente produzido inclusive em Campina Grande, PB.

FRASES - DEPOIMENTOS

"A pantanette, combinette e a caleçonette são lingeries que vão às ruas, como roupas."
Denise Ariel - Du Loren

' A moda íntima passou a ser objeto de consumo. Antes comprava-se uma calcinha e um sutiã por reposição. Hoje, a mulher compra por impulso, porque é moderno, um acessório da moda."
Cecilia Bourdon - Valisére

"Hoje, a mulher deseja uma lingerie de qualidade, que vista bem e que não seja descartável"
Maria do Socorro Gomes Araújo - De Millus

"A forte presença da renda com lycra, revela a necessidade de um toque romântico na lingerie. É uma forma de compensar a falta de romantismo do mundo"
Joachim Goetsch - Triumph

"No tempo da rainha Vitória, em torno de 1880, a palavra lingerie era impronunciável. Atualmente, a ênfase é mostrar o sutiã, é usar um  body como blusa.
Joachim Goetsch - Triumph


(texto publicado na Revista Desfile  - diretor-editorial: Roberto Barreira)

CHANEL E SUAS INVENÇÕES QUE MARCARAM A MODA - Por Ruth Joffily

       
           1913 - O conjunto estilo marinheiro

           1916 - O uso do jérsei e o vestido-chemisier
       
           1918 - O cardigã e o twin-set
      
           1920 - A cintura baixa, as calças compridas e o cabelo
                      curto

           1922 -  As pantalonas e o look bronzeado

          1924 - O vestido preto, básico

          1926 -  A saia pregueada, a capa-de-chuva, o blazer com 
                      botões dourados, o chapéu de marinheiro cobrindo
                      a testa

          1928 - O uso do tweed

          1929 - Os ombros estruturados com enchimentos

          1930 - As bijuterias, as correntes, a bolsa a tiracolo

          1947 - O sapato bicolor, aberto no calcanhar; a bolsa 
                     em matelassê com alças-correntes

          1956 - O cinto de múltiplas correntes e o tailleur de saia
                     afunilada

          1958 - O coque Chanel, ou seja, o cabelo puxado para trás
                     arrematado (ou não) com um laço
           
   

terça-feira, 25 de março de 2014

COCO CHANEL: A ESTILISTA DO SÉCULO - Texto de Ruth Joffily

     Chanel mudou o conceito de elegância e criou os estilos que interpretam as necessidades da mulher do nosso século. Antes de Coco, a feminilidade era rebuscada, além de ser um símbolo de inatividade. Com seus tailleurs, chemisiers, bijuterias, perfumes, malhas, Chanel provou que a mulher podia ser ativa, participante, sem deixar de ser feminina. Todos os estilistas modernos foram e são, direta ou indiretamente, influenciados por ela.


    " A grande mademoiselle da Rue Cambon". Assim referia-se  o cineasta Lucchino Visconti a Coco Chanel. Visconti tinha grande admiração e amizade pela estilista. Para ele, Chanel  encarnava, ao mesmo tempo, o anticonformismo e a regra; a simplicidade e a magnanimidade. Esta convivência de sentimentos e atitudes opostas foram, de fato, uma constante na vida de Chanel, que sempre afirmava: "Eu amo ou não amo."
     Ela era a própria imagem da sede de viver, e de viver apaixonadamente. Durante sua vida, teve um número incalculável de amigos e de amores. Foi amiga de Jean Cocteau, de Salvador Dali e de Bernard Shaw. Amou Pablo Picasso, Stravinsky e Reverdy, um poeta maldito. Todos os nomes de vanguarda da época conheciam a Maison Chanel, já que ela própria também era vanguarda. E havia entre os artistas e ela um clima de cumplicidade, o que a tornou a primeira estilista do mundo a criar figurinos para teatro e balés. Quando alcançou a fama e tornou-se milionária, vivia cercada de jovens escritores. Para eles, oferecia uma bolsa de estudos, que o editor francês Bernard Grasset chamava de "as pensões de Chanel."
     Esta sua paixão por gente levou Coco Chanel a amar milionários e aristrocratas como Étienne Balsan, Arthur (Boy) Capel, o Grão-duque Dimitri Pavlovitch, assassino de Rasputin, Samuel Goldwyn, da indústria cinematográfica norte-americana, e o Duque de Westminster. Personagem de sete filmes, de um musical da Broadway, estrelado por Katherine Hepburn em 1971, ano da sua morte, e tema  de, no mínimo , quatro obras biográficas, Chanel amava o grand-monde. Frequentava teatros, concertos, festas e também recebia a sociedade e os artistas da época na sua maison da Rue Cambon. Mas isto não a impedia de trabalhar 16 horas por dia. Chanel acreditava no trabalho como caminho para a libertação e para a conquista da independência. E foi sua fé numa atividade, numa profissão, que a sintonizaram com as modificações do comportamento feminino que vieram à tona após a Primeira Grande Guerra. Ela dizia: "Se uma moda não chega às ruas, não é uma moda." Ensinava mulheres ricas e de classe média a ter um estilo próprio. Foi ela a precursora de tudo o que a indústria da moda hoje chama de básico. Começou sua revolução pelas cabeças. Chapéus simples, com abas curtas, que vieram substituir os modelos rebuscados (o mais simples tinha, no mínimo, um pássaro empalhado e flores)  que as europeias usaram até a primeira década deste século. Chanel dizia que estes chapéus bloqueavam os pensamentos. E os seus, mais leves, deixavam as cabeças livres  para pensar. O segundo passo foi traduzir peças do guarda-roupa masculino para o feminino. Assim nasceram suas malhas, entre as quais se destacam o twin-set e o pulôver. Tempos depois, fez uma grande revolução com o lançamento do tailleur, ou seja, conjunto de blazer e saia, que ela própria já substituía por calça comprida, nos anos 20 do século XX. Outra invenção foi a bijuteria, que criou para substituir as jóias, inacessíveis a uma razoável parcela da população.
     Foi através de Chanel que a indústria da moda e mesmo a alta-costura perceberam que precisavam criar para uma mulher que trabalhava fora.
     Suas propostas sempre tiveram um objetivo: permitir que a mulher comum pudesse se apoderar do sonho no seu dia-a-dia. O bom gosto da francesa, tão valorizado no mundo inteiro -( que leva até hoje, século XXI os estudantes de design de moda a pesquisarem e estudarem nas ruas de Paris) este bom gosto foi difundido pela estilista, que se preocupava em levar sua mensagem a todas as mulheres e não só (como faziam seus antecessores) a uma parcela bem nascida e privilegiada da sociedade. O bom gosto francês vem das ruas, é visto nas ruas, partilhado por mulheres de todas as classes sociais. Exatamente como ela sonhava. Para conseguir seus objetivos, Coco chegou a dar aulas em revistas francesas de grande circulação. Nestas reportagens, explicava tintim por tintim como, por exemplo, a leitora poderia dar nova vida a seus tailleur ou conjunto, utilizando um galão como acabamento na gola e nas lapelas. Hoje em dia, com a onda ecológica, estas propostas são atualíssimas e podem ser consideradas reciclagens, ou seja, uma maneira criativa de renovar uma peça antiga, sem desperdício. Outras criações tornaram-se eternas: o sapato com biqueira bicolor e aberto no calcanhar, as bolsas em matelassê com corrente de metal, o laçarote de seda ou veludo, usado como arremate do coque ou rabo-de-cavalo, e seu próprio corte de cabelo, que nunca sai de moda. O estilo Chanel eternizou-se. Dizia Coco:"Sou contra toda moda que não dure. É o meu lado masculino. Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora, só porque chegou a primavera."
     Este seu senso prático pode ser comprovado pela sua ideia de que " -  roupas velhas são como velhos amigos: nós os conservamos. Eu conserto, acrescento um toque de azul ou vermelho. Gosto de roupas como gosto de livros, para pegar, mexer nelas." Outra máxima de Coco:  "A elegância não está em vestir roupa nova. Uma pessoa é elegante porque é. O vestido novo não tem nada a ver com isto".
     E ao popularizar as falsas jóias, hoje conhecidas como bijuterias, afirmou: " O que conta não são os quilates , e sim o efeito." Outra frase que define seu conceito de moda: " Elegância não é viver trocando de roupa." Chanel gostava muito de falar  e dizia que falar muito era uma forma de esconder a sua timidez e de afugentar a solidão, sua maior companheira durante uma vida marcada por grandes perdas afetivas. Era uma solitária. E esta sua condição até virou título de uma das  obras biográficas, que relata sua trajetória, escrita pela psicanalista francesa Claude Delay e publicada na França em 1983: "Chanel Solitaire".
     Nascida Gabrielle Bonheur Chasnel (com s na certidão), Coco gostava de recriar a história de sua infância pobre, que ela, após tornar-se um mito, transformou numa história de Cinderela. O enredo era modificado ao sabor da imaginação. Mas quando falava sério, deixava que os fatos reais viessem à tona. A solidão (semelhante a de mitos como Marlene Dietich ou Greta Garbo) tinha origem , segundo ela própria, nos terríveis sentimentos de rejeição que sofreu na infância. A sua falta de humor tem, para a jornalista e escritora francesa Edmonde Charles  Roux, a mesma origem. Sua redenção era o trabalho - 16 horas por dia: "Quando ficar mais velha, aumentarei a carga para 18 ou 20 horas. Para esquecer que me encontro só, só desesperadamente só.
     Chanel nasceu em 1883, na cidade de Samour, interior da França. Viveu pouco tempo na companhia da sua mãe, dona-de-casa, que não era casada legalmente com o pai, um mascate que vendia vinhos de porta em porta. Após a morte da mãe, foi entregue pelo pai a duas tias que, sua vez, a colocaram num colégio de moças carentes, mantido por freiras católicas. No convento, aprendeu a costurar, um recurso muito útil pra uma menina pobre, sem familia. Jogada de um lado para outro, não despertou atenção alguma de suas tias ou das freiras por qualquer manifestação precoce de inteligência ou talento, mas essa vida logo fez com que adquirisse o aguçado realismo que sempre marcou suas atitudes. A história da moça pobre, órfão da mãe, abandonada pelo que, que se torna famosa, rica e invejada, é uma receita com público certo e cativo. Todos querem ter em comum com este mito pelo menos o signo do zodíaco, numa esperança de aproximar os destinos. Esquecem a dose de realismo, de coragem e de talento que, em Chanel, o ídolo, foram despertados pela dura necessidade de sobrevivência. Coco iniciou-se nos negócios da maneira mais antiga que a humanidade conhece. Como diriam nossas avós, foi uma moça de vida fácil. Cantou num cabaré em  Moulins, época em que retirou o apelido  Coco do refrão de uma música , que dizia "Qu'a vu Coco au Trocadero?" Foi amante de homens da alta sociedade e viveu no famoso Hotel Ritz com as contas pagas por dois deles, ao mesmo tempo: Étienne Balsan e Boy Capel. Foi assim que abriu sua primeira loja de chapéus. Anos mais tarde, ao ser pedida em casamento pelo Duque de Westminster, da família real inglesa  respondeu-lhe com a célebre frase: "Duquesas há muitas; Chanel só uma." 
     Coco Chanel amou profundamente a liberdade e, em nome dela, fez uma verdadeira revolução no guarda-roupa feminino. Amor não rimava com casamento. "A mulher se casa para se garantir. Para ter segurança e respeitabilidade. Nada disso me interessa."  Esta sua maneira de pensar bem que poderia ter surgido nas fileiras dos movimentos feministas dos anos 60, mas é muito anterior. Chanel já tinha idéias de liberdade e de amor ao corpo nos anos 20 do século XX, época em que chegou a reunir grupos de mulheres na sua  maison para discutir a condição feminina, o novo posicionamento da mulher na sociedade> Ela sabia que, por trás de um estilo de vestir, está um comportamento, uma maneira de enxergar a vida. Era uma mulher comum, nem ao menos bonita (baixa, morena, corpo sem grandes atrativos). A razão do seu sucesso é ter sido sábia o suficientes para criar roupas para mulheres 'imperfeitas' como ela. No seu sobrenome, havia a palavra  Bonheur (felicidade em francês). Tinha o destino no nome. Essa vida de trabalho, sucesso e solidão pode ser chamada de felicidade para uma mulher?
(texto publicado na Revista Desfile - Bloch Editores - diretor-editorial: Roberto Barreira)
Desejo agradecer ao escritor e pesquisador  Marco Sabino que numa viagem que fez a Paris me trouxe de presente o livro "Chanel Solitaire" (que guardo até hoje, com muito carinho) escrito pela psicanalista francesa  Claude Delay. Li o livro que o Marco Sabino me presenteou, e muitos artigos (nacionais e estrangeiros)arquivados no departamento de pesquisa da Bloch Editores para escrever esta reportagem.
   

segunda-feira, 24 de março de 2014

DESFILE 18 ANOS DE MODA - Texto de Ruth Joffily

     Brasil, 1987. As saias sobem. Redescobre-se as minissaias que são rebatizadas de micro, prefixo que melhor define as saias curtas dos anos 80: era dos micro-computadores, micro-fornos, micro-televisões, etc. Mas como nos anos 60, não há leis rígidas do bem vestir. As micro convivem com as saias na altura do tornozelo. Sente-se no ar uma democrática convivência de formas anteriormente antagônicas. E essa tendência também se celebra no campo dos tecidos: o fio lycra se mistura ao algodão e seus derivados e nasce o strech.
      Estão definitivamente desmistificadas as regras rígidas de combinação de formas e cores. Atualmente, o que se procura é traduizr algo de si na escolha das roupas. Já vai longe o tempo em que se usava, no Brasil, shorts no inverno e maxi-saias no verão, porque assim ditavam as revistas europeias e que se danasse o fato das estações não se corresponderem. Assistimos hoje a um amadurecimento da consumidora que não busca apenas estar de acordo com os modelos estabelecidos, mas antes com a sua própria individualidade. A moda brasileira encontrou o conceito de estilo.
     Foi um longo caminho que se acentuou nas duas últimas décadas. Este artigo se propõe a apresentar, em linha gerais, a evolução da moda no Brasil, registrada nas páginas da Revista Desfile (Bloch Editores), que teve o seu primeiro número lançado em 1969.
     As primeiras reportagens de moda publicadas na Revista Desfile mostram a total influência do estilo europeu. Os bens de consumo importados estavam à venda nas melhores boutiques. Na página "Vitrines, o que há de novo". a Desfile informava, em maio de 1970, que a Drugstore tinha acessórios, perfumes e calcinhas que "acabavam de chegar de Londres"; Em junho do mesmo ano trazia "acessórios Dior, que pegaram em Paris" Enquanto isso, nas ruas corria solta a revolução dos costumes, iniciada com os hippies, a descoberta da minissaia e da pílula anticoncepcional. Pareciam mundos diferentes: o mundo da revista e o mundo das ruas.
     Vendo as páginas da época encontrei até alguns indicadores de comportamento que hoje em dia seriam encarados como fósseis: "A solteirona não é mais aquela", onde era informado que "nem sempre a solteirona é aquela moça que sobrou e ficou na prateleira."  Hoje em dia se considera perfeitamente normal que uma mulher não se case. Encontrei também um eufemismo que não seria sequer compreendido pela leitora atual. Fala-se em "dias críticos", ao invés de menstruação, finalmente assumida.
     Nota-se que o caminho da moda e de todo o jornalismo feminino seguiu em direção a uma maior aproximação da realidade do seu público. Quando falamos em estilo hoje, queremos dizer também que se cultivou um respeito em relação às transformações e assimilações pelas quais passou a mulher. Em plena revolução sexual da década de 60, tratava-se de questões intimamente femininas com uma visão ainda carregada de estereótipos da sinhazinha do começo do século. Nota-se também uma imposição não apenas de "tendências importadas" mas até mesmo de peças do vestuário, muitas das quais inadequadas para a mulher brasileira. Hoje, com a afirmação da indústria nacional e da nossa individualidade há uma preocupação constante no sentido de afinar a moda com a mulher que vai usaá-la e com a sua realidade.
     Os primeiros passos na busca de uma linguagem de moda mais brasileira, deu-se, nas páginas da Revista Desfile, quando foi publicado, em 1971, a reportagem "O pequeno dicionário da moda", onde foram traduzidos, pela jornalista Gilda Chataignier, a maioria dos termos franceses usados até então. Ao assumir a primeira editoria de moda da Revista Desfile, Gilda intensificou as produções em solo nacional, e ficou cada vez mais distante o tempo em que as reportagens era produzidas com roupas da Europa e dos Estados Unidos.
     Em meados do ano de 1972, a jornalista Iesa Rodrigues já ocupava um significado espaço nas páginas da Revista Desfile. Surgiam as primeiras reportagens sobre acessórios, fato histórico, que sem dúvida deu um impulso no consumo de artigos nacionais no Brasil. Era a época do milagre brasileiro , da expansão dos crediários e da formação de um público consumidor na classe média. Baseada nisso, a nossa indústria de moda fincou sólidos alicerces.
     As pioneiras boutiques que vendiam produtos importados e, posteriormente, os artigos confeccionados pelas próprias costureiras, assistem ao surgimento não só da confecção mas também do estilista brasileiro, que vem substituir o costureiro. Tudo isso corresponde a uma ampliação do números de pessoas que desejam moda e que não é apenas um ou outro socialaite, que pode ser atendido por seu costureiro exclusivo. Mas todo um extenso público para a qual as confecções montam uma linha de produção em série segundo os desenhos de um estilista. É o inicio da organização do mercado que, na sua evolução, criou vários elos de uma corrente, que partindo das tecelagens vai até o público consumidor, passando pelas confecções e, finalmente, pelas lojas, palavra hoje mais utilizada e que substitui a antiga boutique.
     Nessa época, a moda da Revista Desfile era editada por Angela Rego Monteiro que fez intensas pesquisas sobre a emergente indústria de moda nacional. A explosão dos jeans, os modismos que surgiam/sumiam em semanas, tudo era analisado antes de se estabelecer a pauta de cada estação. Promovendo os criadores das primeiras confecções, a Revista Desfile começou a levar a moda brasileira para ser fotografada nos quatro cantos do mundo.
     Pode-se desprender que o caminho da moda nessas duas décadas também seguiu em direção a uma progressiva democratização. Da boutique com bé-ó-ú  que se abrasileirou e se transformou primeiro em butique (bê-û) e, depois, em loja. O milagre brasileiro murchou em meados dos anos 70. Nem por isso a indústria de moda acompanhou o descenso geral, por uma razão fundamental: ela optou por ampliar cada vez mais o seu público consumidor.
     Surgiram etiquetas com cadeias de lojas que extrapolam o eixo Rio- São Paulo. Brotaram confecções em diversos estados - Minas Gerais, Ceará,Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goíás, Paraná, Bahia - que incentivaram o desenvolvimento de estilos que aproveitam a mão-de-obra local. Tudo isto gerou um desbravamento rumo a um estilo nacional que foi, muitas vezes, ditado por necessidades de sobrevivência. Não dava para vender no nordeste as lãs do sul. Mas foi foi através desse auto-conhecimento que a indústria de moda nacional gerou o que presenciamos hoje. Sua atual importância na economia nacional é inquestionável, apesar das quebras ocorridas com a falência do plano cruzado.
     Luis de Freitas, Marília Valls, José Augusto Bicalho, Teresa Gureg, Ehel Moura da Costa, Beth Brício, Gregório Faganello e Lucia Costa: estes confecionistas contribuiram porque pioneiramente tentaram traduzir as tendências internacionais pra o espírito brasileiro que deixou de ser inteiramente importado. E esse vanguardismo gerou novas frentes de trabalho para vários profissionais e permitiu que as lojas de departamento encontrassem um mercado já receptivo à produção nacional.
     As lojas de departamento, através de campanhas didáticas, disseminaram o valor do estilo, o que gerou frutos para todos, inclusive para as confecções. Numa progressão  aritmética cresceu o número de consumidores conscientes da importância do saber comprar.
     A história da moda se confunde, portanto, com a própria história da mulher brasileira. (texto publicado na Revista Desfile  - Bloch Editores onde exerci as funções de produtora de moda, redatora, coordenadora e de editora - diretor-editorial: Roberto Barreira. diretora de redação, Vera Gertel e Sylvia de Castro.

domingo, 23 de março de 2014

O PODER E A MODA - Texto de Ruth Joffily

      "(...) E para deixar claro o tipo de relação que os partidos políticos brasileiros - sejam de esquerda, de direita, de centro-esquerda ou de centro-direita - mantêm com o assunto moda basta ver que todos têm em comum o aparente desprezo pela moda como forma de  comunicação. No caso das mulheres que ocupam cargos políticos ou que vivem na "corte brasiliense" o estilo predominante é o "dama de ferro", leia-se o impessoal blazer e saia reta, consagrados por Margareth Tatcher, ex-Primeira Ministra da Inglaterra. Esse foi o estilo adotado, por exemplo, pela primeira mulher a assumir o Ministério da Administração, Claudia Costin, ex-militante do PCdo B, que foi nomeada ministra no final do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. Depois da reeleição de FHC ela ocupou ainda uma Secretaria do Governo. Numa reportagem ao  "Caderno Mulher" do Jornal do Brasil (01/08/98), Claudia afirmava 'não se preocupar em comprar roupas. O estilo é claro, clássico, com tailleur básico, normalmente em cores escura (...)".
     Quem também assumiu os tailleurs depois que chegou ao poder foi Ruth Cardoso, Numa matéria da Veja, de 11/2/98, cujo título é a "virada da Ruth", é dito que o "seu guarda-roupa mudou: antropóloga, que usava calça de elástico na cintura e colares artesanais de madeira, hoje tem um armário de tailleurs . (...) E ela afirma: "eu não tinha essas roupas, não precisava delas ...". Ao falar das suas antecessoras no cargo de primeira-dama, a reportagem diz que elas "apresentavam dois comportamentos padronizados. Ou gostavam imensamente do novo papel, como no caso de Dulce Figueiredo e Rosane Collor, ou preferiam a discrição absoluta, como Marly Sarney ou Lucy Geisel." Na reportagem , Dona Ruth declara "fugir da peruagem como o diabo da cruz."
     No livro "Iara" de Judith Lieblich Patarra (editora Rosa dos Tempos), que vem a ser uma "reportagem biográfica", a autora assinala que a estudante militante Iara Iavelberg admirava o viver intenso e a alegria.
        "(...) E numa reunião da POLOP  onde foi analisada a cassação dos direitos políticos do então governador Adhemar de Barros, houve uma das costumeiras discussões sobre finanças. O compromisso de contribuírem com uma percentagem do salário falhava. Naquele dia, sem calcular o impacto, Iara descreveu as novas roupas.
     __ "Torrei meu pagamento.
     ___ Como você compra o supérfluo se precisamos tanto de dinheiro? --- Atacaram ao acrescentar  às reprimendas  --- Roupa é acessório de burguês."
     Segundo Judith Lieblich Patarra, a autora da biografia, Iara, aborrecida, ironizou os discursos e defendeu-se, advertindo que "num trabalho ilegal, dar na vista seria cana certa. Burrice as militantes andarem molambentas, os companheiros que ouvissem a voz do povo - "o hábito faz o monge". Só para concluir, essa moça tão inteligente e de raciocínio tão claro em relação à importância do vestuário, a ponto de questionar seus companheiros de organização política, foi assassinada pelo regime militar.

(trecho localizado na página 66 do livro "O Brasil tem estilo?, de Ruth Joffily - Editora Senac - ano 2000 - o livro, no momento, está esgotado. Há alguns exemplares à venda no site Estante Virtual.
   
 Uma observação: é uma pena que muitos políticos ainda não enxerguem a importância da industria da moda para a economia nacional, para a economia global, inclusive porque emprega muita mão-de-obra feminina, mulheres que, em sua maioria, são chefes de família.

sábado, 22 de março de 2014

CORPO, MODA, FEMININO Por Ruth Joffily

     Na cidade do Rio de Janeiro, com a sua atual violência urbana e descaso do governo (estadual e municipal) com as ruas, avenidas, praças públicas, nos leva a enfrentar "buracos" - pequenos, médios e grandes - nas calçadas, além de degraus altos demais nos ônibus que andam correndo, "driblando" o trânsito, "jogando" com os passageiros, sobretudo quando dão freadas bruscas.
     As mulheres que andam, por necessidade de sobrevivência, de ônibus no Rio de Janeiro não abrem mão, por exemplo, dos saltos altíssimos e nem das roupas (sobretudo saias e calças/leggings) justíssimas, agarradas ao corpo, em tecidos sintéticos, pouco adequados ao clima quentíssimo do nosso verão tropical. Ainda há aquelas que vão mais além: colocam vestido, saia ou calça justíssimos, sapatos plataforma altíssimos e ainda aderem  à moda do "mega-hair", acrescentando longas madeixas aos seus cabelos naturais. Para mim, essa mulher sofre como sofriam as suas antepassadas. Antes, o espartilho, a cinta, a cinta-liga; agora, as calças com ganchos curtos, tipo "espartilho da bunda".
     A mídia continua proclamando padrões de beleza e sensualidade irreais para a maioria das pessoas. Chega a transformar a sexualidade numa atividade similar às competições atléticas. E as consumidoras tentam seguir esses padrões irreais, que pouco têm a ver com o seu dia-a-dia.
     Há um Brasil real que está longe, muito longe, do Brasil oficial. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que uma mulher da elite se sujeitar a passar pelo "cativeiro" do transporte de massa (sobretudo ônibus e trem para o subúrbio. Mas dá para incluir também o metrô do Rio de Janeiro e de São Paulo no horário de pique e quando há mudança de linha, pois se fica lá na estação, esperando, esperando ...) Como a beleza necessita seguir ainda um (rígido) padrão estético, a maioria das mulheres se sujeita a vestir roupas cuja modelagem e tecido não se adapta ao nosso clima e, sobretudo, à nossa realidade urbana. E elas também se sujeitam a calçar sapatos que não se adaptam aos seus pés.
     Será que algo mudou? Continuamos sem ter uma modelagem nacional. Trocando em miúdos, entrevistei uma modelista profissional, a Sonia Duarte, professora de modelagem , desde 1991, na Escola de moda Cândido Mendes e na Universidade Veiga de Almeida (Campus Tijuca e Barra da Tijuca, RJ) e descobri que continuamos, no Brasil, sem um padrão de modelagem nacional.  Cada fábrica, cada etiqueta, cada grife, cada marca segue um tipo de modelagem. Ainda não estudamos o biótipo do (a) brasileiro (a). E o que existe em modelagem é importado ou copiado do estrangeiro, como podemos constatar através do depoimento que me foi dado pela Sonia Duarte, professora de modelagem e co-autora do livro "Modelagem Industrial Brasileira", editora Letras & Expressões, Rj, 1998)
     "Aos 9 anos eu já cortava e costurava as minhas roupas, pois não queria ir à costureira. Gostava de fazer sozinha o que eu ia vestir. Nesta época eu morava na casa de um tio-avô, que havia criado minha mãe, desde a morte dos meus avós. E esse tio tinha, dentro da casa dele, um atelier onde costurava, sobretudo camisas masculinas e cuecas samba-canção. Suas camisas eram sempre de tricoline, popeline e opala. Eu gostava de ficar num canto, de cócoras, observando ele cortar, costurar, fazer os acabamentos. Assim, fui não só tomando intimidade com a costura, como aprendendo mesmo a costurar. O que eu não entendia, eu perguntava. E até hoje parece que estou ouvindo ele me dizer: "Sonia, você pergunta muita coisa ...!"
    " Quando achei que já dava para arriscar cortar (modelar) alguma peça, eu lhe pedi tecido emprestado. E ele colocou seus tecidos à disposição, desde que, depois, eu pagasse pelos metros que havia usado. Fui pegando alguns tecidos e cortando-os. E resolvi fazer algumas roupas para minhas amigas, porque assim treinava a modelagem e a costura e ainda arrumava o dinheiro para pagar, ao meu tio, os tecidos. Deu certo, pois minhas colegas de turma gostavam das roupas e as compravam. Dava para eu pagar os tecidos que meu tio me emprestava e ainda ficar com um troco."
    " Quando me casei, fiz, sozinha, todo meu enxoval. Tive dois filhos e eu mesma fazia os uniformes deles do colégio. Como aprendi na prática, sempre fui intuitiva, ia testando: cortava a roupa, provava na pessoa, fazia os consertos/acertos necessários, voltava a fazer mais uma prova. Ia errando e acertando, aprendendo com os erros."
    " Mas todo mundo gostava tanto das roupas que eu fazia , sobretudo, para mim e para meus filhos que acabei abrindo, há 29 anos, uma confecção. Era uma confecção pequena, com apenas duas máquinas de costura, duas costureiras contratadas. Quem modelava tudo era eu, com o método "acerto/erro, prova" que havia aprendido, quando pequena, no atelier do meu tio-avô."
   "  As pequenas coleções feitas por mim eram compradas por uma loja do bairro do Méier, zona norte do Rio de Janeiro. Depois passei a abastecer duas prontas-entregas em Ipanema e no Leblon, zona sul carioca. Prosperei, cresci, passei de uma sala de trinta metros quadrados para uma  que tinha o dobro do tamanho e ficava em frente à estação de trem do Rocha, zona norte do Rio de Janeiro."
    " O lucro era bom, logo comprei um carro zero quilômetro à vista. Aí um cunhado meu entrou como sócio e o negócio começou a dar errado. Passei a ter problemas com a mulher dele, minha cunhada, com a minha sogra e também com o meu marido. Sociedades familiares, tão frequentes na área de moda no Brasil, são complicadas. Resolvi sair fora e a empresa acabou falindo."
    " Entrei para dar aula de modelagem na Escola de Moda Candido Mendes em 1991. Tinha como material didático as apostilhas de um curso que havia feito no FIT (Fashion Institute of Technology) em Nova York, EUA. E fiz minhas primeiras apostilhas inspiradas na técnica de modelagem ensinada no FIT, célebre escola de moda norte-americana. Depois, resolvi desenvolver uma teoria de modelagem que traduzisse os gostos e as necessidades da mulher brasileira."
    " Pegamos, então, tabelas da Itália, França, Inglaterra e dos Estados Unidos (países que possuem uma longa tradição no estudo da moda) e realizamos uma pesquisa de métodos utilizados. Assim nasceu o nosso livro "Modelagem Industrial Brasileira", editado em 1998 pela editora Letras & Expressões -RJ, e que é distribuído e adotado em todo território nacional. O livro é bem técnico, objetivo. Em suas páginas, tudo é cálculo e precisão, o que permite transformar pedaços de pano em estilo."
   "  Junto com os livros nasceram as réguas: uma flexível para medir as curas do corpo feminino; uma outra para medir os quadris; outra para medir o espaço entre as pernas, realizando a interpretação de uma curva longa.  E há também, uma régua para cavas e decotes, que possui pontas que são destinadas a "medir" com exatidão os cantos."
    " A cada seis meses, vendemos duzentos e cinquenta kits de réguas. O público-consumidor deste material didático, no Rio de Janeiro, são os (as) alunos (as) das universidades Cândido Mendes, Veiga de Almeida e Estácio de Sá, todas com cursos de dois a três anos na área de moda. Nos demais Estados quem compra o livro e as réguas são costureiras e proprietárias de pequenas e médias confecções."
     "A simples existência deste meu livro didático sobre modelagem tem me ajudado muito em sala de aula, pois as alunas (a maioria são mulheres) entram na escola sem noção alguma sobre , por exemplo, a largura de uma cava, o tamanho de uma cava, etc."
    " Num futuro próximo pretendo lançar um livro de exercícios e um livro dedicado à modelagem da moda-praia (carro-chefe da moda nacional) e um livro sobre modelagem masculina."
    " O meu dia-a-dia profissional é puxado: ministro uma série de aulas e tenho um atelier em casa onde desenvolvo uniformes para as empresas. Faço , sob encomenda, vestidos de noiva e de damas-de-honra e roupas para formaturas. Desenvolvo modelagens para confecções; crio figurinos para teatro, cinema e televisão."
    " Para dar conta de tantos compromissos, conto com a colaboração de ex-alunas que trabalham, como colaboradoras, no meu atelier que ocupa grande parte da sala de visitas do meu apartamento de três quartos, no bairro de Copacabana. Meu filho, Guilherme, formado em administração de empresas, é quem controla o caixa desta micro-empresa que completa o nosso sustento."
     
     Antes de Sonia Duarte e Silvia Saggese editarem, em 1998, um livro sobre modelagem "mais próximo do possível "da realidade do corpo da mulher brasileira só houve um profissional que ousou criar uma modelagem nacional. Refiro-me a Gil Brandão, que em 1962 lançou um livro contendo as suas lições de modelagem que eram semanalmente publicadas no "Jornal do Brasil".

(texto-exercício  que foi incluído na minha dissertação de mestrado na UFRJ em 2002 - professora-orientadora Raquel Paiva)

     

sexta-feira, 21 de março de 2014

ESTRELA DOS BASTIDORES -- texto de Ruth Joffily

     O perfeito funcionamento/realização de uma foto de moda é mérito de um personagem que, em geral, o público desconhece: o (a) produtor (a).
     Cabe ao  (à) produtor (a) descobrir as locações adequadas, selecionar e providenciar roupas e acessórios, sugerir o cenário (e pode até dar palpite no tempo de iluminação), contatar fotógrafos, modelos , cabeleireiros, maquiadores e todo o restante da equipe técnico-operacional, incluindo, por exemplo, a passadeira.
     Muitas vezes tudo isso é feito dentro de um curto prazo de tempo, sem contar as missões impossíveis como, por exemplo, conseguir às pressas (pasmem!) um navio transatlântico ...!
     E ainda tem gente que pensa que qualquer pessoa pode ser um (a) produtor (a) de moda. O (A) produtor (a) necessita ser um profissional organizado (a) , comunicativo (a) e criativo (a). Pensar em cada detalhe separadamente, ter sensibilidade e desenvolver um constante trabalho de pesquisa. Um (a) produtor (a) também acumula tarefas e funções, pois terá que marcar e desmarcar horários, administrar problemas de ego, passar roupa e, se necessário, varrer o estúdio.
      Produzir, portanto, requer não apenas capacidade intelectual, como braçal. Afinal, há sempre muitos pacotes para se carregar ... É uma função que exige muita transpiração. E, nunca se esqueça: é um trabalho de equipe, onde se lida com gente, todo o tempo.

(texto  publicado na revista Desfile Coleções, Bloch Editores)

quinta-feira, 20 de março de 2014

WORTH: PRIMEIRO ARTISTA SUPREMO - Por Ruth Joffily

     Até surgir Charles Frederick Worth (1825-1895) o alfaiate, a costureira ou o comerciante de moda trabalhavam em ligação direta com a (o) cliente. Ou seja, de comum acordo elaboravam a toalete, e a (o) cliente fazia valer o seu gosto e suas preferências, orientando o trabalho do profissional de moda.
     Worth mudou esta realidade ao montar os primeiros desfiles de moda. Ele apresentava os seus modelos, suas criações. Cabia às suas clientes escolher, entre os modelos apresentados, aquele que mais lhes agradava. Inicia-se aí o poder dos costureiros.
     De uma era em que a cliente coopera com a costureira , a partir de um modelo em suma fixo, passou-se a uma era em que o vestuário é concebido, inventado de ponta a ponta pelo profissional, em função de sua inspiração e do seu gosto. Segundo o sociólogo Gilles Lipovetsky, autor do livro "O Império do Efêmero", Companhia das Letras: "Com Worth, o costureiro adquiriu o direito de legislar livremente em matéria de elegância".

(texto publicado no jornal do NiteroiShopping , localizado na cidade de Niterói - RJ, que foi editado por Ruth Joffily e a designer ( gráfica)  era  Eliana MacDowell. Na direção administrativa do shoppíng: Enéas Franco.


quarta-feira, 19 de março de 2014

GOSTO SE DISCUTE - Por Ruth Joffily

Um olho nas vitrines, nos últimos lançamentos da moda, e o outro no que os outros pensam.
Nós brasileiros, homens e mulheres, sempre fomos presos ao julgamento alheio, ao que "podem pensar" sobre nós. Conclusão: é comum virarmos as costas para o quem somos e, consequentemente, nos vestirmos ostentando grifes consagradas, que dão status, mas não garantem um estilo que combine com a nossa personalidade, nosso jeito de ser e de viver.
Daí é comum ver homens e mulheres "uniformizados" nas ruas, nos locais de trabalho e de lazer, esperando, como eternos adolescentes, não destoar do grupo e ter o comportamento de rebanho.
Além disso, nós, mulheres, somos muito exigentes conosco mesmas: nosso olhar crítico vê como uma desgraça qualquer celulite, qualquer gordurinha localizada, qualquer busto meio caído. A busca pelo corpo perfeito leva o Brasil a ser o país campeão em cirurgia plástica. Ignoramos os riscos comuns a qualquer intervenção cirúrgica, como a anestesia, os cortes, os pontos.
Mas não estou aqui para liderar uma campanha "abaixo a cirurgia plástica". Estou aqui para apresentar um livro que traz sábias e simples dicas estéticas para o corpo de mulheres e homens. Para os autores, cada um de nós deve ser quem realmente é. Ou seja, somos o que somos.
Para encontrar o nosso próprio visual, devemos nos submeter não a um bisturi, e sim a um bom espelho, daqueles que a gente se vê de corpo inteiro.
No programa "Esquadrão da moda" há um espelho de 360 graus, através do qual cada candidato ao autoconhecimento físico passa por uma prova de fogo:encarar o próprio corpo em vários ângulos, aceitando o que há de correto e de incorreto. Ou seja, aceitar-se como se é, realmente
A ficção e a realidade se confundem nas ruas. É comum ver nos grandes centros urbanos brasileiros , pessoas que adotam a estética dos personagens das novelas com grandes índices de audiência. E onde ficam os seres humanos normais? Onde ficam os bustos grandes? Onde ficam os manequins que vão de 44 a 50? Onde ficam os (as) baixinhos (as)? Onde ficam os (as) barrigudinhos (as)?
Se a vida é um espetáculo, em que há fome de consumo de imagens, a solução esta em um franco diálogo entre você e o seu corpo, numa harmonia entre corpo e mente..
 Devemos ser quem realmente somos. Pois o nosso corpo e a nossa postura corporal estão sujeitos à dinâmica da história.
Cabe a nós enxergar, no cotidiano, o nosso lado invisível, sem dar atenção aos conselhos padronizados de "boa etiqueta, bom comportamento". E, sim, ouvir nós mesmos e as nossas reais necessidades estéticas, o nosso real gosto. Assim afirmam Clinton Kelly e Stacy London, que aqui, neste livro, nos orientam com simplicidade, na busca de um estilo de acordo com o nosso corpo.
Uma coisa é certa: estética não é um bicho de sete cabeças e está ao alcance de todos. Pois se vestir bem não significa comprar roupas caríssimas, de grife. Vestir-se bem é, sobretudo, encontrar um estilo próprio, que fale por você. Bom proveito!
(texto-prefácio editado no livro "Esquadrão da Moda" de Clinton Kelly e Stacy London publicado no Brasil pela Prestígio Editorial, em 2007)

terça-feira, 18 de março de 2014

CINEMA E ROUPA: EMOÇÃO Á PRIMEIRA VISTA Por Ruth Joffily

     Certa vez, numa entrega do Oscar, para demonstrar a importância da trilha sonora num filme, exibiram algumas sequências desligando o áudio. O resultado foi algo quase sem significado, ou pelo menos muito chato. Era o som que dava vida à imagem.
     A mesma experiência se poderia fazer no caso do vestuário. Antes que se pense que estamos a sugerir atores e atrizes desfilando nus em cena, convidamos o (a) leitor(a) a um exercício de imaginação .... Seria possível um Tarzan de bermuda expressar sua natureza metade homem, metade animal? Ou a casta "Noviça Rebelde", que vai se apaixonar pelo paternal oficial aposentado austríaco, seu patrão cantando The Sound of Music coberta (sumariamente) por um fio dental? Ou a sensual/cruel Marlene Dietrich de "Anjo Azul" com algo menos do que meias de seda preta? Ou Bela Logosi e Boris Karloff provocando arrepios de horror, não fossem as roupas escuras, as capas esvoaçantes demoníacas, o luto implícito?
     Antes mesmo de qualquer personagem abrir a boca, o (a) espectador (a) tem dele uma impressão bastante apurada, por sua maneira de vestir. Sua posição na escala social, modelo de comportamento, estado de espírito ... E a época em que se passa o filme? E a localização da história? Logo à primeira vista, o vestuário constitui-se num importante fator de rejeição/aproximação do (a) espectador (a) em relação ao personagem, e numa carga de informações fundamentais para transportá-lo (a), de imediato, para a fantasia do enredo.
     Como se sabe, o cinema começou mudo. Indispensáveis para se contar a história, portanto, eram as expressões faciais e ....os figurinos. Atores como Charles Chaplin, Greta Garbo, Glória Swanson e a dupla Hardy/Laurel (O Gordo e o Magro) fizeram do vestuário sua marca registrada. Glória Swanson com sua maquiagem exuberante, perucas e tiaras, fornecia a imagem da independência, da ousadia. Ela não sobreviveu ao cinema falado, que teve a sua estréia no fim da década de 20, século XX.