terça-feira, 17 de julho de 2018

CADÁVER PERFEITO






Deu nos jornais: faleceu uma bancária, com um bundão. Morreu "miss". 


O médico, conhecido como  Dr Bumbum, a "despejou" num hospital da Rede D'Or ao constatar que a cirurgia realizada na sua luxuosa cobertura na Barra da Tijuca, não havia dado certo ....


        Ao lado, escaneado, dois anúncios, um deles sobre "bundas brasileiras". O anúncio, segundo a coluna de Anselmo Góis diz:  " Don't leave your butt behind (numa tradução livre, algo como 'não deixe sua bunda caída'). Mas veja o tal 'bumbum brasileiro' da modelo na propaganda. Francamente, isto é bunda que se apresente? (...)"  (Jornal O Globo, edição de 06/11/2007).

     O Brasil é o país campeão em cirurgias plásticas. E aqui as mulheres buscam, freneticamente , o corpo perfeito. O que significa um corpo perfeito? Quantas brasileiras ainda vão morrer nesta busca? E o que  leva as brasileiras a esta busca frenética do corpo perfeito?
Por favor, enviem suas opiniões.




https://oglobo.globo.com/rio/bancaria-de-cuiaba-morre-apos-passar-por-procedimento-estetico-no-rio-22892472

https://odia.ig.com.br/.../5558502-mulheres-desistiram-de-procedimento-estetico-com...

A bunda trágica

O ativismo feminino tem muitas lutas. Das mais difíceis é se libertar da opressão da beleza

A bunda, que Carlos Drummond de Andrade via como engraçada, sempre sorrindo com suas luas gêmeas em rotundo meneio, deixou a poesia na semana passada e apareceu trágica no noticiário policial.
Uma mulher de Mato Grosso veio ao Rio na ânsia nacional de também se perfilar cariocamente calipígia, ficar com os mesmos contornos da blogueira fitness do Instagram. Submeteu-se a uma operação que lhe aumentaria os glúteos, ou os arredondaria, ou os empinaria, ou os deixaria com o desenho que correspondesse ao divulgado naquela semana pelos padrões de beleza em voga. A bunda da moda muda muito. Desgraçadamente, deu errado. Essas esferas harmoniosas, que no poema se bastavam soberanas sobre o caos, desta vez foram vítimas dele. Operada por um certo Dr. Bumbum, repaginador de supostas nove mil nádegas, bumbuns e afins, a mulher morreu.
Este é um país obcecado pelo volume de sua bunda. A propósito, para se manter a esperança de poesia numa hora dessas, registre-se que começa quarta a Flip. A homenageada será a paulista Hilda Hilst. A escritora, morta em 2004, também não estava satisfeita com o bumbum que a vida lhe proporcionara. Uma vez perguntou a Anatol Rosenfeld por que seus livros não vendiam, se ela escrevia até sobre bunda. O crítico foi sincero: “A tua bunda é terrivelmente intelectual” — e Hilda, que sonhava com uma divertida, feliz na carícia de ser e balançar, como a descrita por Drummond, se afirmou desesperada pela falta de popularidade. Em 2018, com livros reeditados e o reconhecimento do talento, inclusive de sua magnífica obra pornográfica, a bunda intelectual de Hilda Hilst entrou na moda.
A bunda é um padrão de referência nacional. Ela carimba a qualificação literária de uma escritora sofisticada, desejosa de exibi-la na lista de best-seller. Serviria também de passaporte à bancária de Mato Grosso, rumo ao que ela achava ser o mundo da felicidade. No Brasil, é preciso ter a bunda certa. Já foi a sadomasô da Tiazinha, a filosoficamente interrogativa de Enoli Lara. Há uma indústria de infelicidade por trás da busca, pela mulher comum, da posse de montanhas idênticas às dessas deusas privilegiadas. Antes arredondadas, elas agora tornaram-se solidamente rochosas, chapadões cujo exemplo mais impressionante é o carregado pela rainha de bateria Gracyane Barbosa. Toda mulher quer uma tão dura quanto — e a divulgação dessas “bundas do momento” alavanca o tenebroso mercado dos cirurgiões espertalhões. A bunda cotidiana nunca será suficiente, será sempre avaliada como frugal em meio ao sucesso dos desenhos cada vez mais excêntricos. O que fazer? Ora, compre outra, diz o Facebook. As do Dr. Bumbum custavam R$ 15 mil.
A moderna brigada do ativismo feminino tem enfrentado muitas lutas. Uma das mais difíceis é se libertar da opressão da beleza. Para se saírem vitoriosas no mercado das paixões ou dos salários profissionais, as mulheres continuam pressionadas a se submeterem à ditadura estética. Ajustam desde as sobrancelhas, que neste momento devem ter o desenho das de Taís Araújo, até os seios, agora numa temporada de porte médio, como os de Bruna Marquezine. São vítimas da maldição bíblica, sempre cobradas da necessidade de ficarem mais belas. Antes, o resultado era frustração. Agora, a morte.
Até mesmo o doce Vinicius de Moraes em sua célebre “Receita de mulher” listou uma pauta de 70 versos, cada um com uma cobrança para que a pobre coitada corresse atrás e se ajustasse às suas, dele, fantasias. A musa de Vinicius precisava ter seios que fossem de expressão greco-romana (“mais que gótica ou barroca”) e ainda por cima capazes de “iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas”. O homem era exigente. Sem falar na urgência de saboneteiras, de uma hipótese de barriguinha e de pálpebras que, cerradas, lembrassem versos de Éluard. Quando passou pelo inevitável das bundas, o Poetinha não se fez diminutivo. Talvez pela única vez em sua deslumbrante escrita, apelou para o recurso pobre do superlativo: “Nádegas é importantíssimo”.
A beleza é um luxo da vida. Parece um desejo digno a qualquer mulher querer atravessar esta existência tropical no usufruto do que, em um de seus clássicos sobre a miscigenação, Gilberto Freyre chamou de “a bunda ostensiva da brasileira”. Nada contra quem quer malhar o dobro de agachamentos, se submeter a um punhado de injeções e apostar que em seguida, o bumbum enfim gabaritado, a vida será melhor. Ninguém, nem o mais romântico cronista de jornal, seria tolo de desdenhar da carne dura, do desenho a compasso e demais alumbramentos desse fundamento tão cortejado. Mas, atenção — há quem os tenha, há quem os tenha outros. Sem sofrimento. A bunda que faça a parte que lhe cabe, sem se afetar de prima-dona, nesta banda cheia de músicas maravilhosas que é o corpo de uma mulher. Há um paraíso de mistérios a se percorrer — ou alguém, para se apaixonar, precisa saber se lisinha ou com estrias as luas gêmeas de Robin Wright, a presidente elegante e má de “House of Cards”?
As mulheres que sabem das coisas já entenderam. Bunda é detalhe. Não vale a pena se deixar escravizar sob seus trêfegos poderes. Deus fez as linhas do corpo, mas é o diabo quem manda nas entrelinhas.


Leia mais: https://oglobo.globo.com/cultura/a-bunda-tragica-22909719#ixzz5M7XNA9Ya 
stest 

Abaixo, Dra Fitness,
 com cabelo alisadíssimo.
Ao seu lado, algemada,
a namorada do Dr Bumbum.  
O Globo, edição de 18/07/2018 

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