quinta-feira, 2 de março de 2017

MARCELO DE GANG E O MANIFESTO IDÉIAS VESTÍVEIS

Foto de Marcelo De Gang.

          Um manifesto - Idéias Vestíveis - e um desfile de moda gênero passeata com direito a cartazes, nas areias do Posto 9, conhecido trecho da praia de Ipanema (RJ), foi a estratégia utilizada pelos estilistas alternativos do Rio de Janeiro.
          O objetivo era chamar a atenção do público e conseguir alguma divulgação. Afinal, é difícil (espinhoso, mesmo) o caminho para quem está começando e tem muitas idéias na cabeça e pouco dinheiro no bolso.

          "O fato de ser uma estilista alternativa, não significa levar uma vida alternativa. Não desejamos ficar reduzidos a um gueto" afirma Emilia Duncan da etiqueta Transfigura. Sua última coleção foi inteiramente inspirada em gravuras de livros medievais. "È o passado reciclado. A gente gosta de trabalhar com a nossa memória", diz Emilia que, junto com a sócia Claudia Kopke viveu, recentemente, uma experiência inédita: fez um desfile-show na entrega do prêmio Multimoda, o oscar da moda nacional. "Foi a primeira vez que a gente trabalhou num território institucional", declaram as estilistas.
     A influência medieval também está na última coleção de verão de Fátima Abreu, responsável por uma etiqueta com o seu nome. Seus tecidos seguem uma padronagem "de antigamente, quando não havia ainda tecelagens. Gostaria que as pessoas voltassem a usar essas roupas." Ex-aluna de Serviço Social, Fátima acredita que "o brasileiro se veste muito mal, pois a prioridade maior é sustentar a família. Não há incentivo à criatividade no vestir."  Sempre teatrais e irriquietas , suas peças se caracterizam pela alta-rotatividade: cada modelo pode ser adquirido com duas ou três opções de punhos e golas.
          A vontade de ser assimilado por uma parcela substancial de consumidores não inclui, para os estilistas alternativos, "adotar o cardápio dos bureaux de style". Em outras palavras, eles não pretendem trabalhar em cima de tendências ditadas pelos grandes centros de moda. Eles fogem, conscientemente, do convencional e propõem novas fórmulas. Marcelo Victor De Gang, responsável pela etiqueta  De Gang, faz, por exemplo, uma interferência em cima do clássico. A sua coleção masculina apresenta ternos nada caretas: são curtos e deixam a barriga de fora. É uma forma, segundo Marcelo, de brincar com o constrangimento dos homens de mostrar o corpo. "As mulheres podem; nós não", diz o estilista. Já as peças femininas têm como personagem principal uma executiva super poderosa e super irreverente.
          Marcelo Victor De Gang trabalhou durante cinco anos como arquiteto. Mas, atualmente, ele afirma seguir apenas a sua intuição. Prefere usar o linho, a cambraia e o shantung pois "resistem ao tempo, além de serem um bom investimento."
          A falta de público consumidor levou Lena Pessoa e Marcel René, seu marido, a arrumarem as malas. Estão de partida para a França, onde esperam encontrar uma melhor aceitação para a etiqueta Liquidificadoidos.   "Lá vou ter um público maior e disposto a adotar idéias arrojadas. No Brasil, as pessoas que gostam não têm dinheiro; quem tem poder aquisitivo é muito careta."
          Com apenas 30 peças, todas exclusivas, a coleção Liquidificadoidos   se caracteriza pelas formas anos 40 (do século XX) recicladas para a década de 80. "Mas a minha etiqueta não é só roupa. Trabalhamos movimentos culturais, incluindo música, artes plásticas e teatro."
          Olhinhos de boneca fazem às vezes de botão em sapatos, bolsas e berloques da marca Nefelibato. A esitlista é Lucia (Lucinha para os íntimos) Karabtshevsky. Com seus dois sócios, Eduardo Small e Tadeu Burgos, ela realiza frutíferas experiências com novos materiais. Recentemente, Lucia descobriu a resina no tom velho, "alcançado não através de banho e sim da alta temperatura." Cheios de garra, o trio Nefelibato luta por um espaço maior no mercado. Sonham em deixar de ser alternativos, sem abrir mão do anticonvencional.
          "Ser alternativo é correr por fora das tendências", afirma Claudia Hersz, responsável pela etiqueta de bijuterias com o seu nome. Claudia está no ramo há sete anos. As dúvidas quanto o assumir ou não a moda profissionalmente terminaram quando descobriu estar ganhando mais como estilista do que como estagia´ria de arquitetura. Mas a vontade de lançar-se como artista plástica a levou a enviar um trabalho para o Salão Carioca. A grande desilusão surgiu não por ter o seu trabalho recusado, mas quando conseguiu inscrevê-lo na Fundação Juan Miró, de Barcelona. "Constatei, então, a grande dificuldade de viver como artista plástica no Brasil." Assim, Claudia resolveu entrar firme na criação de bijuterias, "algo muito parecido com o meu trabalho anterior. É como fazer esculturas em escalas menores."
          É com esta cabeça que ela cria suas peças. E tem colhido bons resultados. Participou como expositora da última feira carioca de alto-verão, realizada no Riocentro, e já tem um bem montado show-room. A vedete da sua coleção de verão é o metal tingido, em brincos, pulseiras, colares, abotoaduras e prendedores de mangas.
          O grupo de estilistas alternativos se reúne no bar  Suburban Dreams da inglesa Ursula Westmacott, para trocar idéias. O pensamento geral é bem sintetizado pelas palavras de Claudia Hersz: "não frequento o mundo da moda. Estou trabalhando. Quero é mais colocar meu bloco na rua."

        Essa reportagem, que encontrei entre os meus papéis guardados, eu escrevi nos anos 80 do século XX quando trabalhava, na Editora Abril, como editora-assistente da editora de moda Costanza Pascolato.
         Incrível como ela é atual ao mostrar as dificuldades de se viver de artes e de moda no Brasil, ao mesmo tempo em que aponta a capacidade de criação dos brasileiros, numa época em que não era moda, ainda, se frequentar as escolas de design de moda. Hoje existem diversas faculdades de moda; faculdades de design de moda pipocam, em todo o território nacional. 

          O que será que mudou, de lá para cá? E por que as etiquetas que que geraram o movimento "idéias vestíveis" não conseguiram se manter, no mercado carioca, no mercado nacional?  Elas foram vencidas pelas dificuldades? Ficam as perguntas.
          Vale frisar que o prêmio Multimoda, que era considerado "o Oscar da moda brasileira" acabou. E não foi criado um outro, um novo prêmio para estimular os profissionais da moda nacional, onde tudo é passageiro, feito a vida em um país periférico.Portanto aqui, a moda imita a vida: moda periférica, com altos e baixos, em um país periférico. E por onde andará a inglesa Ursula Westmacott?
         
          As fotos são todas do estilista Marcelo De Gang, e algumas apresentam um dos seus desfiles, na época, leia-se anos 80 do século XX. 







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