terça-feira, 1 de abril de 2014

A MODA IMITA A VIDA

    " Seu modo um tanto ridículo de se vestir impressionava", lembra-se Anya Kayaloff, evocando suas primeiras visitas ao Maine. "Marguerite envolvia-se em xales e usava calças largas. Grace ostentava turbantes de cores vivas. Como hippies, poderiamas dizer; só que Grace e Marguerite já usavam
essas coisas no fim dos anos quarenta (...) Quando minha sogra as via aparecer, dizia em russo: "Lá vêm as fantasiadas ..."
     Estou lendo, no momento, o livro "Marguerite Yourcenar, a invenção de uma vida" escrito por Josyane Savigneau. E o trecho acima, retirado da página 253, exemplifica, mais do que mil palavras, como o vestir é reflexo de um determinado momento social, econômico, histórico e cultural da humanidade. Marguerite Yourcenar e sua companheira Grace Frick eram tidas como bruxas, mulheres esquisitas, pelos habitantes de Northeast Harbor, nos Estados Unidos, só porque não se vestiam de acordo com a moda da época. Eram tidas como seres diferentes, uns ETs, porque não seguiam os padrões estéticos do final da década de 40 ...
     Os romances, as poesias, os livros enfim - talvez tenham sido eles os responsáveis pelo meu interesse  e pela minha insistência em desenvolver-me profissionalmente como jornalista especializada  em moda. Desde pequena aprendi a gostar de livros, uma das paixões do meu pai. Nas casas onde morei - Na Paraíba, onde nasci; na Bahia, onde passei três anos da minha infância; na Itália, onde aprendi as primeiras letras e, finalmente, no Rio de Janeiro, onde vivo atualmente - sempre vivi  cercada de livros. Li muitos livros -- uns bons, outros ruins. Todos foram um exercício para a ficção, que sempre me atraiu. Com o passar do tempo, eu ia me detendo naqueles mundos de faz-de-conta, fascinada com as descrições de determinados personagens, que sempre incluíam as roupas que usavam. Inesquecível, uma passagem de "A montanha mágica", onde Thomas Mann descreve nos mínimos detalhes a manga transparente de uma personagem feminina que deixa entrever o braço. E esta descrição é feita através do olhar de um homem apaixonado, num tempo em que um braço de mulher que se expõe parcialmente correspondia à ousadia dos monoquínis nos anos 60/70.
     Toda vez que vi baquear a minha fé na moda como forma de comunicação, como estudo de comportamento de uma época, lembrei-me desta passagem de "A montanha mágica" e de muitos outros livros. Para não ficar muito cansativo, limito-me a incluir neste repertório poesias de Carlos Drummond de Andrade, que chegou a dedicar versos em "em louvor à minissaia e à miniblusa", e também alguns romances de Doris Lessing, assim como de George Orwell que, em "The road to wigan pier" resumiu a magia da moda ao escrever: "Você pode ter só três tostões e meio no bolso e nem sequer uma perspectiva em vista ...Mas com a sua roupa nova, pode parar na esquina da rua, imaginando que é Clark Gale ou Greta Garbo." A vontade de compartilhar as minhas descobertas profissionais com outras pessoas e o desejo de ver o jornalismo de moda compreendido e aceito, vencendo os preconceitos, as imagens simples, convencionais e sumárias que as pessoas fazem dos objetos, das atividades e dos assuntos que não examinam de perto, levou-me a dar aulas sobre jornalismo e produção de moda no  Centro Cultural Candido Mendes,Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. O primeiro curso foi em 1987 e a elaboração do programa me custou noites em claro e fins de semana inteiros debruçados sobre livros e anotações diversas. Era preciso transformar a prática de doze anos (na época) de profissão numa teoria, enriquecida pelas leituras. O esforço valeu a pena. E o nervosismo e a angústia iniciais também. O primeiro curso teve 24 alunos, que entenderam a minha proposta e participavam ativamente de todas as aulas.
     Posso dizer que o livro "Jornalismo e produção de moda", editado pela Nova Fronteira, começou a tomar forma quando comecei a dar aulas. Aos poucos foi se delineando mais claramente e ocupando todas as minhas horas livres, absorvendo meus fins-de-semana, e transformou-se, até ficar pronto, na personagem principal da minha vida. O livro é fruto da minha fé no jornalismo de moda e creio que não interessará apenas aos que circulam no mundo da moda ou, por exemplo, aos estudante da área de comunicação, mas a todos de uma maneira geral, pois ninguém está imune ao fascínio que a moda exerce já pelo simples  e corriqueiro ato de vestir-se que, no mundo ocidental, e no oriental, representa muito mais do que somente cobrir o corpo. A moda é uma porta aberta para a forma de ser, para um espírito de uma época. Também faz parte da trama da vida. Do momento em que nascemos até a nossa morte estamos permanentemente envolvidos em tecidos, naturais ou sintéticos. Basta olhar uma foto amarelecida pelo tempo para captar pela maneira como as pessoas estão vestida qual era, por exemplo, o estilo que determinava a feminilidade ou a masculinidade naquela época, pois estes conceitos também são mutantes e como ... Enquanto comportamento ou enquanto ficção, a moda imita a vida, onde tudo passa. Dizem os franceses "tout passe, tout casse, tout lasse". Mais do que qualquer outra manifestação cultural, a moda espelha a vida como ela é, passageira. Por isso inicio  "Jornalismo e produção de moda" com uma análise de linhas editoriais, gênero de reportagens e textos de moda. Finalmente procuro definir um perfil da leitora das matérias de moda a partir de cartas enviadas a uma revista feminina, mais precisamente a uma seção do tipo "tire suas dúvidas sobre moda".

(texto publicado na revista Claudia Moda, editora Abril - em outubro de 1991)

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