sábado, 6 de junho de 2015
DA GARRAFA AO TECIDO
Na segunda semana de janeiro foi lançada na Itália, mais precisamente na cidade de Florença, uma roupa que resiste a tiros e facadas. O tecido, feito de poliparafelilene, é cinco vezes mais resistente que o aço, tem o mesmo peso do aço e parece um cashmere. Alexandra Fede, a estilista que patenteou este novo tecido, está investindo num futuro violento, que não permitirá que as pessoas andem livremente .... vestidas com uma roupa de algodão!
Num caminho oposto se encontra a brasileira Daniela Moreau formada em história na USP (Universidade de São Paulo), com mestrado em ciências políticas pela Unicamp (Universidade de Campinas - SP) e que resolveu abandonar a vida acadêmica a fim de "partir para uma atuação mais concreta no mundo real",leia-se no mundo da produção de bens materiais. "Eu queria saber se os valores com os quais eu me sentia (e me sinto) comprometida - um mundo socialmente mais justo , que respeitasse o meio ambiente - eram possíveis de serem praticados/vividos", afirma Daniela. E assim nasceu, em março de 1995, a Baobá tecidos artesanais, "uma pequena empresa que conta com uma tecelagem em Espirito Santo do Pinhal, interior de São Paulo e uma loja no bairro de Moema, em São Paulo, capital". A Baobá produz mantas para sofá, colchas, xales, jogos americanos e tecidos a metro para cortinas e decoração em teares tradicionais mineiros. Todo trabalho é artesanal. "Utilizamos matérias-primas diferenciadas como, por exemplo, seda rústica, algodão orgânico (cultivado sem agrotóxico) e fibras RPC (reciclagem pós-consumo) de garrafas plásticas de refrigerantes PET. Nos propomos a gerar 0% de resíduos. Todos os restos de fios de tecelagem são penteados (cardar=desenredar, destrinçar ou pentear) e viram fios fiados à mão."
Aliás, ao escolher o nome Baobá, Daniela já deixou bem claro a sua luta contra o desperdício, já que batizou a sua empresa com uma palavra que significa "arvore de mil anos". Pois Baobá vem a ser uma "espécie nativa da Àfrica que simboliza a perenidade. "Generosa, oferece sua casca, folhas e frutos para o benefício dos seres humanos". Ou seja, tudo na árvore Baobá é aproveitado: desde a sua sombra (ideal para reuniões formais e informais), à casca, folhas dos ramos novos, à polpa da fruta, à própria fruta, com a qual se faz um sabão artesanal.
A Baobá, empresa que Daniela Moreau coordena, também é generosa, desde o seu nascimento. Ou será que já nasceu generosa? Não importa. O que necessita ser destacado é a missão da Baobá Tecelagem, o seu compromisso com a reciclagem e reaproveitamento e, consequentemente, o seu combate ao desperdício. Daniela declara que "tem mania de reaproveitamento e reciclagem. Aprendi com a minha avó, que sabe cerzir e transforma lençóis de linho em vestidos maravilhosos .... E entre os materiais desperdiçados, creio que as garrafas PET (refrigerantes descartáveis) são que chamam mais atenção: basta olhar a Baía da Guanabara (RJ) ou o rio Tietê (SP) ...."
Infelizmente o desperdício das garrafas de plástico estão invadindo muitas praias nacionais. Em Maricá (RJ) a maré trouxe,no final do ano de 1998, milhares de garrafas e embalagens plásticas, descartáveis e não degradáveis, ou seja, por ser inerte, a embalagem plástica não interage com processos naturais e não se decompõe, permanecendo intacta por centenas de anos. O que se vê,então, seja no Rio de Janeiro, seja em João Pessoa (capital da Paraíba) é ruas, praias, parques, rios poluídos. Nos grandes centros urbanos como, por exemplo, no Rio de Janeiro e São Paulo,esse lixo ou , melhor dizendo, essas "montanhas de lixo" entopem bueiros, provocando enchentes, favorecendo epidemias e ameaçando a vida das pessoas e dos animais. A cada dia cresce o consumo de material plástico.
O Brasil -- onde a resina PET (Polietileno Tereftalato) é usada na fabricação de embalagens desde 1988 -- já é o terceiro maior consumidor do mundo de bebidas carbonatadas (saturadas de gás carbônico) atrás dos Estados Unidos e do México. De acordo com a pesquisa,realizada em 1997, por Mariana Moreau (irmã de Daniela), Rita Mendonça e Lidia Chaib, neste ano de 2000 serão fabricadas, no Brasil, 7.124. 260.000 garrafas. Qual será o destino dessa imensa quantidade de embalagens PET após seu consumo? Falta vontade política para resolver esta questão que raramente é mencionada pelo governo federal. Iniciativas como a de Daniela Moreau são pioneiras e mostram que existe muito trabalho a ser feito na área de preservação ambiental.
Nos países do primeiro mundo os fabricantes de embalagens plásticas são responsáveis pelo ciclo de vida, ou seja, pelo destino dessas embalagens, após o consumo. Acompanhando as pesquisas realizadas por um grupo de estudos chamado MAPA (Mapeamento de Projetos Ambientais) , Daniela viu um catálogo de uma empresa norte-americana chamada Wellman, pioneira em reciclagem de plásticos, que já estava transformando garrafas PET em tecidos. Em seguida, ela recebeu, de uma amiga, uma meia super macia, que era 50% garrafas recicladas e 50% algodão. Pesquisando ainda mais, ela chegou na empresa que tem sido sua grande fonte de inspiração. Trata-se de Patagonia, sediada na Califórnia (EUA) que produz roupas que a Daniela considera "incríveis" e são 100% RPC (reciclagem pós consumo). As principais peças criadas pela Patagonia são casacos tipo plush. Mas eles, que são os maiores divulgadores da idéia de reciclagem e também de algodão orgânico, também fabricam calças, gorros e muitas outras peças básicas.
Com estas informações na mão, a historiadora Daniela Moreau ficou pensando como poderia conseguir produzir estes fios e tecidos no Brasil, utilizando o nosso lixo. Afinal, no Brasil, só havia, até então, grupos que recolhiam e transformavam as garrafas PET em cordas e vassouras. Roupas, estas ainda não eram feitas. Levando-se em conta que as instituições públicas brasileiras não colaboram com a iniciativa de reciclagem e que não há coleta seletiva de lixo.Consequentemente, grande parte das garrafas recicladas passam por lixões, quando poderiam ser coletadas nas escolas, supermercados, restaurantes, bares, botequins, etc.
Pesquisando, indagando aqui, indagando ali, e não desistindo diante das primeiras dificuldades, Daniela chegou na Repet, empresa que recolhe garrafas, faz triagem por cor, lava e transforma-as em flakes para a Unnafibras, empresa sediada em Santo André, no ABC paulista. A Unnafibras, por sua vez, transforma estes flakes em fibras de poliéster. O processo, então, parava nas fibras. Firme na sua decisão de desenvolver um tecido "utilizando o nosso lixão", Daniela foi procurar quem pudesse transformar as fibras em fios. E chegou na Padron, indústria de Santa Catarina, que produziu os fios 100% garrafas recicladas. "levei, então, parte das fibras para um vilarejo no interior de Minas Gerais, onde foram fiadas à mão." Após intensa busca e pesquisa, Daniela havia, finalmente, conseguido o material que precisava para produzir os tecidos artesanais com garrafas recicladas. E estes tecidos artesanais são criados em teares de madeira e parecidos com os de antigamente, exceto por algumas adaptações feitas. Para evitar emendas em tecidos largos, como, por exemplo, colchas, estes teares são mais largos; têm o rolo de urdume cilíndrico para poderem receber maior metragem de urdidura (conjunto de fios dispostos no tear paralelamente ao seu comprimento, e por entre os quais passam os fios da urdidura) e têm o pente de aço e não de taquara.
Na Baobá cabe à Daniela Moreau o cargo de coordenadora. Ela é quem define com as pessoas que tecem as linhas mestras do que vai ser produzido, leia-se o tipo de produto,medidas, matérias-primas, cores básicas, etc. Mas cada artesão tem sua liberdade de expressão. Por isto que as peças criadas por eles são únicas e especiais. Há uma variedade imensa de produtos, numa linguagem artesanal. Não há compromissos com a moda. Mas atualmente a Baobá está produzindo tecidos para uma estilista de Belo Horizonte chamada Sonia Pinto. E, segundo Daniela,as coleções criadas pela Sonia são incríveis/maravilhosas. E estas roupas são feitas nos tecidos artesanais da Baobá.
Para quem se interessa por este mercado de produtos ecológicos, uma boa-nova: ele está em alta no mundo inteiro. Daniela, porém, avisa, aos interessados, que "os tecidos feitos a partir da PET têm a mesma limitação do que os feitos com poliéster virgem. Eles são mais quentes que os tecidos de fibras naturais, porém são mais resistentes. Mas o apelo ecológico é muito grande", conclui Daniela que destaca o fato de "qualquer pessoa poder tecer. Afinal, é uma atividade muito fácil. Só precisa gostar. As pessoas que trabalham comigo,nunca tinham visto um tear (manual) antes. A maioria das tecelãs antes trabalhavam na roça, em fazendas de café. E elas adoram tecer, criam tecidos maravilhosos."
Os tecidos criados pela Baobá são vendidos na loja da empresa localizada na rua Normandia, 23, Moema, SP. E a manta para sofá é um dos produtos mais procurados. Afinal, esse incrível trabalho artesanal ganhou um público cativo, fã da técnica de tecelagem onde cada fio é urdido e tramado manualmente. É a técnica de antigamente sendo aliada à reciclagem, mais precisamente à PET a resina plástica que tem o maior nível de aproveitamento quando reciclada.
E o resultado final é simplesmente fantástico. Quando se toca num tecido ou num produto criado pela Baobá a textura fascina num simples toque e conquista o nosso tato pela suavidade e doçura. Parece, até que é um tecido do tempo das nossas avós ... Há no uso das cores e na trama todas as características de um tecido artesanal. Daniela Moreau utiliza fibras modernas, fibras que vêm da reciclagem, num trabalho criativo, de equipe, que é, sobretudo, uma declaração de fé no ser humano, na sua criatividade e na sua capacidade de "dar a volta por cima", acreditando num amanhã menos violento, num amanhã em que prevaleça uma sociedade justa e humana.
(Reportagem que realizei para a editora Senac- RJ no ano 2000 - Infelizmente não tive mais noticias da empresa Baobá - será que ainda existe? Espero que sim e que Daniela Moreau, uma batalhadora, continue na sua empreitada, com sucesso)
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Olá Ruth,
ResponderExcluirFicamos muito felizes em encontrarmos sua publicação e só podemos agradecer pelo carinho.
A Baobá ainda existe sim, porem com uma produção um pouco menor, estamos produzindo agora no Bairro da Saúde em São Paulo e expomos no Conjunto Nacional (Av. Paulista), aproveitamos para convida-la para nos visitar em nossa próxima exposição no Conjunto Nacional em Agosto/16 (inicio:01/08/16).
Também estamos desenvolvendo um novo site, em agosto/2016 estará no ar (www.baobatecelagem.com.br) e a Daniela Moreau como sempre continua nos apoiando nessa nova caminhada...
Por favor, se possível nos envie seus contatos (telefone e e-mail).
Abraços Denildes/Aline Novaes
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMeu e-mail: rj.joffily@gmail.com.
ExcluirMeu e-mail: rj.joffily@gmail.com.
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