sábado, 15 de abril de 2017

CORRIGINDO PRESSUPOSTOS

Resultado de imagem para moda passarela SPFW2017
     Na revista Piauí (número 127, edição de abril de 2017) foi publicada uma critica valiosa sobre a moda nacional, na reportagem  "O Elfo, o insta e o like", escrita por Ricardo  Lísias,que descreve o cenário e os bastidores da última  SPFW (São Paulo Fashion Week). 


     
     A critica, reafirmo, é boa mas feita com pressupostos errados. Pois nada, nada mesmo, cai do céu por descuido. Portanto, a moda nacional, mais precisamente um mega lançamento da moda como o SPFW (São Paulo Fashion Week) costuma reproduzir a nossa sociedade tal como ela é: conservadora, desigual, elitista e ,em muitos momentos históricos, obscurantista, fechando os olhos inclusive para o trabalho escravo, conforme a reportagem de Ricardo Lísias, na revista Piauí, denuncia.  
     
                                     NADA MUDOU?

     Em 1991, escrevi para a revista Claudia Moda, um artigo cujo título é "A Moda Imita a Vida", onde eu digo : "(...) o desejo de ver o jornalismo de moda compreendido e aceito, vencendo os preconceitos, as imagens simples, convencionais e sumárias que as pessoas fazem dos objetos, das atividades e dos assuntos que não examinam  de perto, levou-me a dar aulas sobre jornalismo de moda no Centro Cultural Cândido Mendes (RJ). O primeiro curso ocorreu em 1987 e para elaborá-lo transformei a prática de doze anos (na época) de profissão numa teoria, enriquecida pelas leituras. (...)A moda é uma porta para a forma de ser, para o espírito de uma época. Também faz parte da vida: do momento em que nascemos até nossa morte estamos permanentemente envolvidos em tecidos, naturais ou sintéticos. Basta olhar uma foto amarelecida pelo tempo para captar pela maneira como as pessoas estão vestidas qual era, por exemplo, o estilo que determinava a feminilidade ou masculinidade naquela época, pois estes conceitos também são mutantes. Enquanto comportamento ou enquanto ficção, a moda imita a vida, onde tudo passa. A moda expressa o comportamento de uma época, de um período histórico e politico."
       
     A SPFW-2017 - traduz inclusive no nome em inglês, a realidade histórica da nossa sociedade que nunca foi boazinha e faz tempo que deixou de ser cordial  e é profundamente excludente. 
Nossa classe média busca, incessantemente,  símbolos de status que a "descolem" ,a diferenciem, do "povão", da "ralé". Nossa sociedade é aquela onde há muitos (as) que ainda perguntam: "Sabe com quem você está falando?"  Forma clássica de intimidar, de gerar fossos sociais.

     Nossa classe média sonha ser elite, sonha estar no alto da pirâmide. E uma  maneira viável de  realizar o seu eterno sonho de ser rico (a)/ser da elite é vestir etiquetas que custem caro "ao bolso",  ditas exclusivas, que dão status, geram uma diferenciação entre ela, classe média, e os demais mortais. Uma maneira de se sentir, no topo da pirâmide, é transformar, como bem destaca a reportagem da revista Piaui, a "São Paulo Fashion Week em um evento fechado, para convidados. Quem não consegue entrar e quer se vestir na moda pode ficar do lado de fora e observar como os fahionistas se vestem. Perto da fila de táxis cadastrados ficam os que se contentam com uma foto do estilista ou modelo do momento."
      
     No livro "The road to wigan pier"(O caminho para Wigan Pier), o escritor George Orwell (o histórico criador do Big Brother) resumiu a magia da moda ao escrever: "Você pode ter só três tostões e meio no bolos e nem sequer uma perspectiva em vista ... Mas com a sua roupa nova, pode parar na esquina da rua, imaginando que é Clark Gable ou Greta Garbo.
          Destaco que George Orwell escreveu "O caminho para wigan pier" em 1937, ou seja, há 80 (oitenta) anos. Na época, o autor definiu seu livro como um livro politico, "uma mistura de reportagem e comentário politico, com uma rasgo de autobiografia".
         A revista Piauí fez, reafirmo, uma critica valiosa à moda nacional. Mas faltou uma reflexão sobre as razões que levam a nossa  industria de moda a ser conservadora, a marcar passo, ou melhor dizendo, insistir no seu eterno comportamento excludente, que infelizmente também se reproduz atualmente em algumas teorias e práticas que nascem e se realizam nas salas de aula das dezenas de faculdades de design de moda nacionais.
      
     Eu, reconheço, sempre fui uma voz fora do tom dominante no meio da moda. Sempre desejei empreender na área de comunicação de moda. Escrever aqui, neste blog que criei, é mais uma tentativa. 
     Mas apesar de ser "fora do tom dominante" no jornalismo de moda há quem me copiei, ou melhor dizendo, houve quem, recentemente, batizasse, em 2015, um  livro sobre marketing de moda com o título do artigo que escrevi para a Revista Claudia Moda em 1991. 
" A Moda imita a vida", tornou-se o título do livro escrito por André Carvalhal - conhecido e famoso especialista em marketing de moda -editado pelo Senac e pela editora Estação das Letras e Cores, SP.

                  UMA REFLEXÃO:  TRECHOS DA
                  REPORTAGEM -REVISTA PIAUÍ
                                       
     
     Para finalizar, destaco alguns trechos da reportagem "O elfo, o insta e o like" da revista Piauí de abril de 2017:

"Entre os dias 13 e 17 do mês passado, a cena fashion baixou no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. (...) a turma da costura se reuniu para lançar as tendências para o próximo inverno, ver e ser vista trajando o look da estação (...) e celebrar algumas grifes de sucesso. (..) São Paulo Fashion Week deste ano destacou o rosto anguloso, de pele perfeita e o olhar angelical e infantil do elfo, o modelo masculino que veio substituir o lenhador, rústico e de expressão forte e adulta, das edições anteriores.
     Em qualquer lugar por aqui, elfo é uma das palavras mais ouvidas, junto com outra também muito característica do evento: "Insta". No meio dos desfiles, fashionistas fazem questão de postar no Instagram todo tipo de imagem que, com uma obsessão incontrolável, produzem sem parar.(...)  A propósito, além de elfo e Insta, outra expressão decisiva é digital influencer.
   (...) Quem passa pelos seguranças (na entrada do SPFW, observação minha) está completamente integrado ao ambiente, com pleno domínio do vocabulário e das regras."
  
    "(...) Tudo no São Paulo Fashion Week é escolhido a dedo: a entrada na área do evento NÃO garante a presença nos desfiles, que deve ser negociada com cada uma das marcas. Consegui ver os principais, mas a autorização para a entrada na área de convivência custou uma semana e uma troca de e-mails que mobilizou duas pessoas na revista. (...)
     (...) Jornalistas que se vestem do mesmo jeito que os fashionistas sempre entram antes nos desfiles, ganham beijinhos e risadinhas. (...)
          Outra palavra bastante usada é esse minimalismo. Modelos com pouca roupa são minimalistas, peças com quase nenhuma costura também. Vi uma pessoa dizendo que a decoração da área de convivência e os próprios estandes eram minimalistas. O termo, nesse último caso, significa pouco, embora o sentido real, proibidíssimo de ser pronunciado por quase todo mundo no evento e em seu entorno, seja crise. (...)"
     
      "(...) Tanta criatividade no styling não agrada todo mundo. No segundo dia do evento, ouvi um segurança, com o rosto compungido, dizendo uma frase sintomática para um colega: "Cara nunca vi tanta gata malvestida". Quando fui tentar entrevistá-lo, mesmo sem querer seu nome, ele se recusou, nervoso, afirmando que podia ter problema no serviço. "Aqui, a gente tem que ficar na moral." (...)"

    " (...) Com um pouco de observação, fica claro que tudo nesse universo é artificial e bem calculado, das pessoas que receberão os convites ao número de passos que os modelos dão na pista." (...)"

     "(...) Desconfio, porém, que o modelo de beleza que cultivam ainda é o do  Sul e Sudeste do Brasil. "

     " (...) O fato é que a moda, por mais que se esforce, não consegue se livrar da melancólica impressão de frivolidade que transpira.(...)"

     "(...) Na outra ponta, estão as constantes denúncias de que oficinas de costura empregam trabalhadores (as) em péssimas condições, com longas jornadas de trabalho e salários muito baixos.  Há inclusive uso de trabalho escravo. A ONG Repórter Brasil chegou a criar um aplicativo para o consumidor poder se informar das formas como as principais marcas brasileiras estão  tentando combater a prática. De realmente politico no evento dá para destacar a boa presença de modelos negros. O que antes era, para enorme vergonha, um ambiente exclusivamente branco, agora abre um pouco mais de espaço para os outros tons da nossa sociedade. Testemunhei a dignidade silenciosa com que diversos modelos negros, forçando um pouco mais que os outros as pernas no chão, atravessaram a passarela.
     Nesse sentido, o desfile mais politizado foi o da Lab, que colocou na pista, ao som de um samba de gafieira, inclusive gente obesa. Não havia elfos ou exposição gratuita do corpo feminino. Para fechar, Emicida e Fióti cruzaram a passarela acompanhados pela mãe, que é bordadeira, e pelo sambista Wilson das Neves. Não estavam afetados e conseguiram transmitir algo muito raro no Brasil contemporâneo: dignidade misturada com genuína alegria." 



     
Fontes: Reportagem "O elfo, o Insta e o like" (Revista Piauí - abril 2017 - pág. 58 do escritor Ricardo Lísias, autor de "Inquérito Policial: família Tobias, da editora Lote 42 e "A vista Particular", da editora Alfaguara.  Artigo "A moda imita a vida" por mim escrito e publicado na Revista Claudia Moda, editora Abril, em outubro de 1991, que se encontra aqui (acima) escaneado.
   






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