quarta-feira, 24 de setembro de 2014

PARA NÃO ESQUECER ZUZU ANGEL



     Era uma vez uma costureira do interior de Minas que saiu no "The New York Times" e vestiu atrizes de cinema. Era uma vez uma mulher desesperada cujo filho foi morto pela ditadura militar dos anos 70. Então ela bordou nos seus vestidos anjos e canhões e colocou sua dor na passarela. Essa é a história de Zuzu Angel.



      Talvez você não saiba quem foi Zuleica Angel Jones. Mas, possivelmente, já ouviu sua história, cantada por Chico Buarque que lhe dedicou a música Angélica.
     "Quem é essa mulher que canta sempre esse lamento/Só queria lembrar o tormento que fez o meu filho suspirar/Quem é essa mulher que canta sempre o mesmo arranjo/Só queria agasalhar meu anjo e deixar seu corpo descansar/Quem é essa mulher que canta como dobra um sino/Só queria cantar por meu menino/ Que ele já não pode mais cantar.

     Se estivesse viva Zuzu teria 71 anos. Nascida em Curvelo, interior de Minas Gerais, ela tinha três filhos e morava no Rio quando se separou do marido - o norte-americano Norman Angel Jones. Precisava trabalhar para cuidar da família e colocou em prática seus talentos de costureira. Tinha um forte sentido de brasilidade e transportava isso para a sua moda. Adorava fazer patchworks com rendas cearenses e chitas, misturava xadrez com bolinhas, e criava estampas inusitadas de pássaros, borboletas e bananas.
     Heloisa Lustosa, do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, compara o talento de Zuzu ao dos pintores e escritores do Movimento Modernista que revolucionaram a arte nacional. Com seu estilo próprio e brasileiro, ela lutava contra a colonização cultural e contra a mania de copiar modelos lançados em Paris, França.
     Em menos de dez anos de carreira e no meio da efervescência política dos anos 60, Zuzu conseguiu o que parecia impossível: exportar sua moda para os Estados Unidos. Em 1970, Lampiões, Marias Bonitas e mulheres rendeiras ocuparam as vitrines da famosa loja de departamentos Bergdorf Goodman, em Nova York, e o jornal "The New York Times" apresentou um artigo completo sobre seu trabalho. Nesta entrevista, Zuzu declarou: 

     "No meu país, acham que a moda é futilidade. Eu tento dizer a eles que moda é comunicação, além de gerar emprego para muita gente."

     Zuzu tinha uma ampla visão do mercado em que atuava. Em 1967 já contava com uma linha de prêt- à- porter, além da coleção de vestidos sofisticados, que lhe renderam prestígio internacional. Em 1969, Zuzu conheceu a atriz Joan Crawford, que se tornou uma cliente fiel, ao lado de personalidades , como D.Iolanda Costa e Silva (mulher do presidente Costa e Silva) , a atriz Kim Novak, e a bailarina inglesa Margot Fonteyn.
      Zuzu era conhecida pelo seu otimismo e vivacidade. Mas em 1971 quando seu filho Stuart Angel Jones, militante da esquerda, desapareceu e foi torturado nas prisões do exército, durante o governo de Emilio Garrastazu Médici, Zuzu se viu impotente diante da vida. Apesar de ser bem relacionada e conhecer generais, ministros e políticos de alto escalão, nunca conseguiu nenhum apoio para libertar o filho, nem sequer para obter informações sobre ele. O que pôde descobrir foi por meio de outro preso político e guerrilheiro Alex Polari, que lhe escreveu uma carta contando  as torturas que ambos haviam sofrido nas dependências do Exército. Polari sobreviveu. Stuart morreu. Depois de ser arrastado por um jeep, aspirar os gases tóxicos do veículo e ter o corpo inteiramente esfolado.

     Em todas as oportunidades que teve, Zuzu atacou a violência do governo militar. Em 1971, realiza seu desfile histórico, no Consulado do Brasil, em Nova York, apresentando roupas com estampas e bordados repletos de anjos machucados, tanques de guerra e manchas vermelhas. Denunciava, na passarela, o assassinato do seu filho.

     Quando voltou ao Brasil, após ter deixado relatório na ONU - Organizações das Nações Unidas - e no Senado norte-americano sobre a morte de Stuart, Zuzu começou a ser seguida, receber ameças por telefone, e teve sua loja do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, incendiada.
     Ela morreria em 1976, aos 53 anos, num acidente de carro que nunca foi explicado direito. Vários amigos, entre eles Heloneida Studart, atual deputada do PT carioca, foram avisados por Zuzu dessas ameças de morte. A escritora Rose Marie Muraro, sua amiga pessoal, não tem dúvidas que ela foi assassinada.
     "Seu carro foi abalroado por outro e jogado, propositadamente, na ribanceira. Simularam o desastre", denuncia. A morte de Zuzu permanece um enigma. Mas a sua vida e sua obra inspiraram músicas, livros ("O estandarte da Agonia, de Heloneida Studart, editado pela Nova Fronteira, foi escrito em sua homenagem) e até roteiro de um filme, escrito por Jorge Duran, sob encomenda do cineasta Walter Salles Júnior.
     Com seus bordados de anjos  e flores, Zuzu denunciou ao mundo a violência que havia no Brasil daqueles anos da ditadura militar, fazendo uma rebelião pacífica, em que as únicas armas eram a coragem e o talento.

Texto que escrevi para a revista Claudia, Editora Abril, nos anos 90.

Em tempo: a morte da Zuzu Angel não é mais um enigma.  Ela foi assassinada.

Publico este texto para colaborar com uma aluna de uma universidade,   que fará uma apresentação sobre Zuzu Angel e seu desfile-denúncia. Que a apresentação seja um sucesso. 

   
     




















https://www.youtube.com/watch?v=2njisDw3HmA




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