terça-feira, 25 de março de 2014

COCO CHANEL: A ESTILISTA DO SÉCULO - Texto de Ruth Joffily

     Chanel mudou o conceito de elegância e criou os estilos que interpretam as necessidades da mulher do nosso século. Antes de Coco, a feminilidade era rebuscada, além de ser um símbolo de inatividade. Com seus tailleurs, chemisiers, bijuterias, perfumes, malhas, Chanel provou que a mulher podia ser ativa, participante, sem deixar de ser feminina. Todos os estilistas modernos foram e são, direta ou indiretamente, influenciados por ela.


    " A grande mademoiselle da Rue Cambon". Assim referia-se  o cineasta Lucchino Visconti a Coco Chanel. Visconti tinha grande admiração e amizade pela estilista. Para ele, Chanel  encarnava, ao mesmo tempo, o anticonformismo e a regra; a simplicidade e a magnanimidade. Esta convivência de sentimentos e atitudes opostas foram, de fato, uma constante na vida de Chanel, que sempre afirmava: "Eu amo ou não amo."
     Ela era a própria imagem da sede de viver, e de viver apaixonadamente. Durante sua vida, teve um número incalculável de amigos e de amores. Foi amiga de Jean Cocteau, de Salvador Dali e de Bernard Shaw. Amou Pablo Picasso, Stravinsky e Reverdy, um poeta maldito. Todos os nomes de vanguarda da época conheciam a Maison Chanel, já que ela própria também era vanguarda. E havia entre os artistas e ela um clima de cumplicidade, o que a tornou a primeira estilista do mundo a criar figurinos para teatro e balés. Quando alcançou a fama e tornou-se milionária, vivia cercada de jovens escritores. Para eles, oferecia uma bolsa de estudos, que o editor francês Bernard Grasset chamava de "as pensões de Chanel."
     Esta sua paixão por gente levou Coco Chanel a amar milionários e aristrocratas como Étienne Balsan, Arthur (Boy) Capel, o Grão-duque Dimitri Pavlovitch, assassino de Rasputin, Samuel Goldwyn, da indústria cinematográfica norte-americana, e o Duque de Westminster. Personagem de sete filmes, de um musical da Broadway, estrelado por Katherine Hepburn em 1971, ano da sua morte, e tema  de, no mínimo , quatro obras biográficas, Chanel amava o grand-monde. Frequentava teatros, concertos, festas e também recebia a sociedade e os artistas da época na sua maison da Rue Cambon. Mas isto não a impedia de trabalhar 16 horas por dia. Chanel acreditava no trabalho como caminho para a libertação e para a conquista da independência. E foi sua fé numa atividade, numa profissão, que a sintonizaram com as modificações do comportamento feminino que vieram à tona após a Primeira Grande Guerra. Ela dizia: "Se uma moda não chega às ruas, não é uma moda." Ensinava mulheres ricas e de classe média a ter um estilo próprio. Foi ela a precursora de tudo o que a indústria da moda hoje chama de básico. Começou sua revolução pelas cabeças. Chapéus simples, com abas curtas, que vieram substituir os modelos rebuscados (o mais simples tinha, no mínimo, um pássaro empalhado e flores)  que as europeias usaram até a primeira década deste século. Chanel dizia que estes chapéus bloqueavam os pensamentos. E os seus, mais leves, deixavam as cabeças livres  para pensar. O segundo passo foi traduzir peças do guarda-roupa masculino para o feminino. Assim nasceram suas malhas, entre as quais se destacam o twin-set e o pulôver. Tempos depois, fez uma grande revolução com o lançamento do tailleur, ou seja, conjunto de blazer e saia, que ela própria já substituía por calça comprida, nos anos 20 do século XX. Outra invenção foi a bijuteria, que criou para substituir as jóias, inacessíveis a uma razoável parcela da população.
     Foi através de Chanel que a indústria da moda e mesmo a alta-costura perceberam que precisavam criar para uma mulher que trabalhava fora.
     Suas propostas sempre tiveram um objetivo: permitir que a mulher comum pudesse se apoderar do sonho no seu dia-a-dia. O bom gosto da francesa, tão valorizado no mundo inteiro -( que leva até hoje, século XXI os estudantes de design de moda a pesquisarem e estudarem nas ruas de Paris) este bom gosto foi difundido pela estilista, que se preocupava em levar sua mensagem a todas as mulheres e não só (como faziam seus antecessores) a uma parcela bem nascida e privilegiada da sociedade. O bom gosto francês vem das ruas, é visto nas ruas, partilhado por mulheres de todas as classes sociais. Exatamente como ela sonhava. Para conseguir seus objetivos, Coco chegou a dar aulas em revistas francesas de grande circulação. Nestas reportagens, explicava tintim por tintim como, por exemplo, a leitora poderia dar nova vida a seus tailleur ou conjunto, utilizando um galão como acabamento na gola e nas lapelas. Hoje em dia, com a onda ecológica, estas propostas são atualíssimas e podem ser consideradas reciclagens, ou seja, uma maneira criativa de renovar uma peça antiga, sem desperdício. Outras criações tornaram-se eternas: o sapato com biqueira bicolor e aberto no calcanhar, as bolsas em matelassê com corrente de metal, o laçarote de seda ou veludo, usado como arremate do coque ou rabo-de-cavalo, e seu próprio corte de cabelo, que nunca sai de moda. O estilo Chanel eternizou-se. Dizia Coco:"Sou contra toda moda que não dure. É o meu lado masculino. Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora, só porque chegou a primavera."
     Este seu senso prático pode ser comprovado pela sua ideia de que " -  roupas velhas são como velhos amigos: nós os conservamos. Eu conserto, acrescento um toque de azul ou vermelho. Gosto de roupas como gosto de livros, para pegar, mexer nelas." Outra máxima de Coco:  "A elegância não está em vestir roupa nova. Uma pessoa é elegante porque é. O vestido novo não tem nada a ver com isto".
     E ao popularizar as falsas jóias, hoje conhecidas como bijuterias, afirmou: " O que conta não são os quilates , e sim o efeito." Outra frase que define seu conceito de moda: " Elegância não é viver trocando de roupa." Chanel gostava muito de falar  e dizia que falar muito era uma forma de esconder a sua timidez e de afugentar a solidão, sua maior companheira durante uma vida marcada por grandes perdas afetivas. Era uma solitária. E esta sua condição até virou título de uma das  obras biográficas, que relata sua trajetória, escrita pela psicanalista francesa Claude Delay e publicada na França em 1983: "Chanel Solitaire".
     Nascida Gabrielle Bonheur Chasnel (com s na certidão), Coco gostava de recriar a história de sua infância pobre, que ela, após tornar-se um mito, transformou numa história de Cinderela. O enredo era modificado ao sabor da imaginação. Mas quando falava sério, deixava que os fatos reais viessem à tona. A solidão (semelhante a de mitos como Marlene Dietich ou Greta Garbo) tinha origem , segundo ela própria, nos terríveis sentimentos de rejeição que sofreu na infância. A sua falta de humor tem, para a jornalista e escritora francesa Edmonde Charles  Roux, a mesma origem. Sua redenção era o trabalho - 16 horas por dia: "Quando ficar mais velha, aumentarei a carga para 18 ou 20 horas. Para esquecer que me encontro só, só desesperadamente só.
     Chanel nasceu em 1883, na cidade de Samour, interior da França. Viveu pouco tempo na companhia da sua mãe, dona-de-casa, que não era casada legalmente com o pai, um mascate que vendia vinhos de porta em porta. Após a morte da mãe, foi entregue pelo pai a duas tias que, sua vez, a colocaram num colégio de moças carentes, mantido por freiras católicas. No convento, aprendeu a costurar, um recurso muito útil pra uma menina pobre, sem familia. Jogada de um lado para outro, não despertou atenção alguma de suas tias ou das freiras por qualquer manifestação precoce de inteligência ou talento, mas essa vida logo fez com que adquirisse o aguçado realismo que sempre marcou suas atitudes. A história da moça pobre, órfão da mãe, abandonada pelo que, que se torna famosa, rica e invejada, é uma receita com público certo e cativo. Todos querem ter em comum com este mito pelo menos o signo do zodíaco, numa esperança de aproximar os destinos. Esquecem a dose de realismo, de coragem e de talento que, em Chanel, o ídolo, foram despertados pela dura necessidade de sobrevivência. Coco iniciou-se nos negócios da maneira mais antiga que a humanidade conhece. Como diriam nossas avós, foi uma moça de vida fácil. Cantou num cabaré em  Moulins, época em que retirou o apelido  Coco do refrão de uma música , que dizia "Qu'a vu Coco au Trocadero?" Foi amante de homens da alta sociedade e viveu no famoso Hotel Ritz com as contas pagas por dois deles, ao mesmo tempo: Étienne Balsan e Boy Capel. Foi assim que abriu sua primeira loja de chapéus. Anos mais tarde, ao ser pedida em casamento pelo Duque de Westminster, da família real inglesa  respondeu-lhe com a célebre frase: "Duquesas há muitas; Chanel só uma." 
     Coco Chanel amou profundamente a liberdade e, em nome dela, fez uma verdadeira revolução no guarda-roupa feminino. Amor não rimava com casamento. "A mulher se casa para se garantir. Para ter segurança e respeitabilidade. Nada disso me interessa."  Esta sua maneira de pensar bem que poderia ter surgido nas fileiras dos movimentos feministas dos anos 60, mas é muito anterior. Chanel já tinha idéias de liberdade e de amor ao corpo nos anos 20 do século XX, época em que chegou a reunir grupos de mulheres na sua  maison para discutir a condição feminina, o novo posicionamento da mulher na sociedade> Ela sabia que, por trás de um estilo de vestir, está um comportamento, uma maneira de enxergar a vida. Era uma mulher comum, nem ao menos bonita (baixa, morena, corpo sem grandes atrativos). A razão do seu sucesso é ter sido sábia o suficientes para criar roupas para mulheres 'imperfeitas' como ela. No seu sobrenome, havia a palavra  Bonheur (felicidade em francês). Tinha o destino no nome. Essa vida de trabalho, sucesso e solidão pode ser chamada de felicidade para uma mulher?
(texto publicado na Revista Desfile - Bloch Editores - diretor-editorial: Roberto Barreira)
Desejo agradecer ao escritor e pesquisador  Marco Sabino que numa viagem que fez a Paris me trouxe de presente o livro "Chanel Solitaire" (que guardo até hoje, com muito carinho) escrito pela psicanalista francesa  Claude Delay. Li o livro que o Marco Sabino me presenteou, e muitos artigos (nacionais e estrangeiros)arquivados no departamento de pesquisa da Bloch Editores para escrever esta reportagem.
   

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