quarta-feira, 26 de março de 2014

A HISTÓRIA DA LINGERIE - Texto de Ruth Joffily

     A folha de parreira era, na verdade, roupa de cima e não roupa de baixo, assim como o top-sutiã, criado pelo estilista francês Jean Paul Gaultier e difundido internacionalmente pela cantora Madonna.
     Entre uma criação e outra, há um intervalo de milênios, e toda a história da humanidade.
   
     Ao atrair as atenções mundiais -- via satélite -- para seus  seios, Madonna reviveu certas civilizações da Antiguidade, em que as mulheres eram deusas, e seus bustos adorados como símbolos da fertilidade. Foi um tempo que ficou para trás, na história anterior era cristã, quando as mulheres de Creta, por exemplo, eram protagonistas na vida social. Com direitos iguais aos dos homens, elas participavam das capturas dos touros e das expedições marítimas. As mulheres cretenses das classes sociais mais altas circulavam, feito Madonna nos anos 90 do século XX, com os bustos nus. Já as mulheres tidas como bárbaras -- um exemplo são as celtas, retratadas no romance "As Brumas de Avallon" de Marion Zimmerbradley, deixavam os seios livres, apenas cobertos por túnicas muitas vezes transparentes. Daí pode-se até dizer que a audácia dos anos 60 do século XX -- andar com os seios empinados e libertos por debaixo de uma justa camiseta  -- foi uma retomada, com adaptações, de modos de vestir correntes em momentos históricos anteriores, como o das mulheres celtas, poderosas em suas magias, capazes de premonições, bruxas enfim.
     Um protótipo de sutiã -- faixa de tecido, frequentemente vermelha -- surge na civilização grega. Os seios, então, foram cobertos, não por uma questão de pudor, mas por razões estéticas. É famosa a paixão dos gregos pela harmonia e pela beleza. Desejavam preservar os seios femininos das temíveis consequências da lei da gravidade. Eram estetas.
     Já a civilização romana era marcada,neste período, por um espírito repressor, ao passar a evitar o crescimento dos seios. A orientação do Estado romano foi  a de achatar o busto das mulheres, que não podiam ostentar seus naturais atributos femininos e possuíam, dentro da sociedade, menos direitos do que os homens. A conduta "destas pequenas criaturas", como as chamavam certos autores romanos, não atraía o interesse do mundo exclusivamente masculino dos políticos. Segundo o historiador norte-americano Peter Brown, os notáveis da antiga Roma tinham tendência a submeter suas mulheres a um código austero, próximo ao que hoje é vigente nos paises islâmicos. Esses princípios rígidos só não valiam para as mulheres do povo.
     Para  os moralistas, a mulher era uma pecadora inata. E os seios, a expressão do pecado. Aliás, por longos períodos históricos, a mulher como atração do mal era vista, como se diz em cinema, em plano americano, ou seja, da cintura para cima. Tanto que pouco se fala sobre as primeiras calcinhas ou calções. Diz a lenda que as egpcías   usavam panos amarrados, feito fraldas. Outra versão pretende que, em Atenas, as mulheres contrariadas com as guerras constantes, que afastavam os homens, resolveram promover uma guerra dos sexo, que incluía apertar os seios e nádegas com faixas de tecidos. Estas faixas teriam  sido o primeiro sutiã e a primeira calcinha.
     O poeta francês Paul Verlaine afirma que as nádegas são as irmãs mais velhas dos seios. Ou seja, que elas, nádegas, haviam atraído as atenções na pré-história, na época do homem da caverna, quando o ser humano ainda não havia assumido uma posição erecta. A partir do andar com dois pés é que surgem as atenções para os seios.
     E os seios vão se tornar o centro das atenções -- como fonte de vida ou como a razão do pecado durante  grandes períodos da História, salvo algumas interrupções. Uma dessas interrupções foi a Idade Média, época em que o ventre foi endeusado e valorizado inclusive no corte das roupas. Numa Europa com reduzida população, baixíssima natalidade, a barriga grande, a barriga globo-terrestre era sinônimo de ventre fértil. Para realçar seus ventres, as mulheres da época chegavam a usar, por baixo da roupa, um saco acolchoado. Já na Renascença, as atenções se voltam, novamente, para os seios. Outra vez um poeta, o francês Clément Marot, faz rimas em torno do belo bico do peito (em francês beau tétin): "bico do peito, melhor do que qualquer coisa" ("tétin, plus beau que nulle chose"). Os seios femininos eram adulados/adorados pelos homens do século XVI. Um colete bem justo colocado por cima da camisa --- este é o ancestral do temido e todo poderoso espartilho, que haveria posteriormente reinar no guarda-roupa feminino durante séculos. Só caindo em desuso (pasmem!) na primeira década  do século XX.  No fim da Renascença, tem início  uma moda austera, sombria, rígida, influenciada pela moda da corte espanhola. Mas para o imortal paisagista Burle Max (em entrevista ao jornal O Globo):  "as golas altas ocultavam as feridas de sífilis, contraídas pelas rainhas de seus reis mulherengos ..." Passam-se alguns séculos e, com a Revolução Francesa, o interesse volta a se concentrar novamente nos seios. É a moda Diretório, um retorno neoclássico, da antiga Grécia, em que as transparências com gazes e musselinas também lembravam as mulheres celtas, com seus seios libertos. Mas houve quem temesse a tentação destes seios revolucionários. O escritor Pierre de Juvernay, em seu "Discours Particulier contre les femmes débraillées" diz que "a visão de belos seios é tão perigosa para nós (leia-se homens,nota da redação)quanto a visão de uma serpente". Mas as tetas livres e libertárias ficam mais à vista e os decotes se aprofundam, as transparências aumentam, a medida que os discursos libertários florescem. Em 1795, a madame Tallien foi a ÒPera de Paris com uma simples túnica noturna, .... e sem usar nada por baixo!!
     A ideia que os corpos femininos deviam ser contidos/controlados estava a tal ponto enraizada nos espíritos, que logo a seguir reaparece o espartilho, desta vez recoberto de veludo e de cetim. Em 1840, da era vitoriana, a mulher era, definitivamente, um ser inútil, imobilizada pelo espartilho e pela anágua de crinolina. Em respeito à rígida moral vigente no tempo da rainha Vitória, a lingerie (leia-se peças íntimas) era uma palavra impronunciável.
     Em 1887, a francesa Hermenie Cadolle, funda em Buenos Aires, Argentina, a Maison Cadolle. Cheia de energia, muito ativa, Hermenie percebe que o espartilho tornou-se uma peça arcaica, opressora. Este novo movimento libertário também é captado pelos estilistas franceses Paul Poiret e Madeleine Vionnet. Na mesma época, Raymond Duncan e sua irmã Isadora se remetem à moda no estilo grego. Como não conseguem sequer montar um espetáculo nos Estados Unidos, seu país, Raymond e Isadora desembarcam em Paris, no ano de 1903. Isadora vai ser a musa-inspiradora de Paul Poiret, na criação de um  novo estilo que dispensa o espartilho e cria uma moderna peça: o sutiã. Quanto à calcinha, esta manteve-se até o início do século XX na total obscuridade e mantinha-se fiel ao seu tamanho calção ia até a altura dos joelhos. O modelo cavado, justo e menor, como conhecemos atualmente, foi criado em plena Primeira Guerra Mundial, pelo francês Etienne Valton, proprietário da grife  Petit Bateau. Quando foram lançadas, primeiro em versão infantil e,posteriormente, num estilo para mulheres -- as calcinhas  Petit Bateau foram descritas como "culotte sans jambes en tricot"
(numa tradução literal, calças sem pernas, em tricô). Nos anos 20, embaladas pelo jazz, vestindo melindrosas, as mulheres já usavam um sutiã básico e calcinha. Daí para frente, vai haver muita evolução em termos da matéria-prima utilizada. Vem o nailon e, algum tempo depois, a maior invenção: a lycra, que permite maior durabilidade muita praticidade, o lavar dispensando o ferro de passar. Mesmo as rendas dos modelos atuais que revivem décadas passadas, são em lycra, o fio que traduziu, em um determinado periodo, uma maneira moderna de viver. Atualmente, com os movimentos ecológicos, cresce o uso do algodão, algodão com lycra , o algodão puro sem uso de agrotóxico e o algodão sem agrotóxico e colorido,  atualmente produzido inclusive em Campina Grande, PB.

FRASES - DEPOIMENTOS

"A pantanette, combinette e a caleçonette são lingeries que vão às ruas, como roupas."
Denise Ariel - Du Loren

' A moda íntima passou a ser objeto de consumo. Antes comprava-se uma calcinha e um sutiã por reposição. Hoje, a mulher compra por impulso, porque é moderno, um acessório da moda."
Cecilia Bourdon - Valisére

"Hoje, a mulher deseja uma lingerie de qualidade, que vista bem e que não seja descartável"
Maria do Socorro Gomes Araújo - De Millus

"A forte presença da renda com lycra, revela a necessidade de um toque romântico na lingerie. É uma forma de compensar a falta de romantismo do mundo"
Joachim Goetsch - Triumph

"No tempo da rainha Vitória, em torno de 1880, a palavra lingerie era impronunciável. Atualmente, a ênfase é mostrar o sutiã, é usar um  body como blusa.
Joachim Goetsch - Triumph


(texto publicado na Revista Desfile  - diretor-editorial: Roberto Barreira)

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