segunda-feira, 24 de março de 2014

DESFILE 18 ANOS DE MODA - Texto de Ruth Joffily

     Brasil, 1987. As saias sobem. Redescobre-se as minissaias que são rebatizadas de micro, prefixo que melhor define as saias curtas dos anos 80: era dos micro-computadores, micro-fornos, micro-televisões, etc. Mas como nos anos 60, não há leis rígidas do bem vestir. As micro convivem com as saias na altura do tornozelo. Sente-se no ar uma democrática convivência de formas anteriormente antagônicas. E essa tendência também se celebra no campo dos tecidos: o fio lycra se mistura ao algodão e seus derivados e nasce o strech.
      Estão definitivamente desmistificadas as regras rígidas de combinação de formas e cores. Atualmente, o que se procura é traduizr algo de si na escolha das roupas. Já vai longe o tempo em que se usava, no Brasil, shorts no inverno e maxi-saias no verão, porque assim ditavam as revistas europeias e que se danasse o fato das estações não se corresponderem. Assistimos hoje a um amadurecimento da consumidora que não busca apenas estar de acordo com os modelos estabelecidos, mas antes com a sua própria individualidade. A moda brasileira encontrou o conceito de estilo.
     Foi um longo caminho que se acentuou nas duas últimas décadas. Este artigo se propõe a apresentar, em linha gerais, a evolução da moda no Brasil, registrada nas páginas da Revista Desfile (Bloch Editores), que teve o seu primeiro número lançado em 1969.
     As primeiras reportagens de moda publicadas na Revista Desfile mostram a total influência do estilo europeu. Os bens de consumo importados estavam à venda nas melhores boutiques. Na página "Vitrines, o que há de novo". a Desfile informava, em maio de 1970, que a Drugstore tinha acessórios, perfumes e calcinhas que "acabavam de chegar de Londres"; Em junho do mesmo ano trazia "acessórios Dior, que pegaram em Paris" Enquanto isso, nas ruas corria solta a revolução dos costumes, iniciada com os hippies, a descoberta da minissaia e da pílula anticoncepcional. Pareciam mundos diferentes: o mundo da revista e o mundo das ruas.
     Vendo as páginas da época encontrei até alguns indicadores de comportamento que hoje em dia seriam encarados como fósseis: "A solteirona não é mais aquela", onde era informado que "nem sempre a solteirona é aquela moça que sobrou e ficou na prateleira."  Hoje em dia se considera perfeitamente normal que uma mulher não se case. Encontrei também um eufemismo que não seria sequer compreendido pela leitora atual. Fala-se em "dias críticos", ao invés de menstruação, finalmente assumida.
     Nota-se que o caminho da moda e de todo o jornalismo feminino seguiu em direção a uma maior aproximação da realidade do seu público. Quando falamos em estilo hoje, queremos dizer também que se cultivou um respeito em relação às transformações e assimilações pelas quais passou a mulher. Em plena revolução sexual da década de 60, tratava-se de questões intimamente femininas com uma visão ainda carregada de estereótipos da sinhazinha do começo do século. Nota-se também uma imposição não apenas de "tendências importadas" mas até mesmo de peças do vestuário, muitas das quais inadequadas para a mulher brasileira. Hoje, com a afirmação da indústria nacional e da nossa individualidade há uma preocupação constante no sentido de afinar a moda com a mulher que vai usaá-la e com a sua realidade.
     Os primeiros passos na busca de uma linguagem de moda mais brasileira, deu-se, nas páginas da Revista Desfile, quando foi publicado, em 1971, a reportagem "O pequeno dicionário da moda", onde foram traduzidos, pela jornalista Gilda Chataignier, a maioria dos termos franceses usados até então. Ao assumir a primeira editoria de moda da Revista Desfile, Gilda intensificou as produções em solo nacional, e ficou cada vez mais distante o tempo em que as reportagens era produzidas com roupas da Europa e dos Estados Unidos.
     Em meados do ano de 1972, a jornalista Iesa Rodrigues já ocupava um significado espaço nas páginas da Revista Desfile. Surgiam as primeiras reportagens sobre acessórios, fato histórico, que sem dúvida deu um impulso no consumo de artigos nacionais no Brasil. Era a época do milagre brasileiro , da expansão dos crediários e da formação de um público consumidor na classe média. Baseada nisso, a nossa indústria de moda fincou sólidos alicerces.
     As pioneiras boutiques que vendiam produtos importados e, posteriormente, os artigos confeccionados pelas próprias costureiras, assistem ao surgimento não só da confecção mas também do estilista brasileiro, que vem substituir o costureiro. Tudo isso corresponde a uma ampliação do números de pessoas que desejam moda e que não é apenas um ou outro socialaite, que pode ser atendido por seu costureiro exclusivo. Mas todo um extenso público para a qual as confecções montam uma linha de produção em série segundo os desenhos de um estilista. É o inicio da organização do mercado que, na sua evolução, criou vários elos de uma corrente, que partindo das tecelagens vai até o público consumidor, passando pelas confecções e, finalmente, pelas lojas, palavra hoje mais utilizada e que substitui a antiga boutique.
     Nessa época, a moda da Revista Desfile era editada por Angela Rego Monteiro que fez intensas pesquisas sobre a emergente indústria de moda nacional. A explosão dos jeans, os modismos que surgiam/sumiam em semanas, tudo era analisado antes de se estabelecer a pauta de cada estação. Promovendo os criadores das primeiras confecções, a Revista Desfile começou a levar a moda brasileira para ser fotografada nos quatro cantos do mundo.
     Pode-se desprender que o caminho da moda nessas duas décadas também seguiu em direção a uma progressiva democratização. Da boutique com bé-ó-ú  que se abrasileirou e se transformou primeiro em butique (bê-û) e, depois, em loja. O milagre brasileiro murchou em meados dos anos 70. Nem por isso a indústria de moda acompanhou o descenso geral, por uma razão fundamental: ela optou por ampliar cada vez mais o seu público consumidor.
     Surgiram etiquetas com cadeias de lojas que extrapolam o eixo Rio- São Paulo. Brotaram confecções em diversos estados - Minas Gerais, Ceará,Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goíás, Paraná, Bahia - que incentivaram o desenvolvimento de estilos que aproveitam a mão-de-obra local. Tudo isto gerou um desbravamento rumo a um estilo nacional que foi, muitas vezes, ditado por necessidades de sobrevivência. Não dava para vender no nordeste as lãs do sul. Mas foi foi através desse auto-conhecimento que a indústria de moda nacional gerou o que presenciamos hoje. Sua atual importância na economia nacional é inquestionável, apesar das quebras ocorridas com a falência do plano cruzado.
     Luis de Freitas, Marília Valls, José Augusto Bicalho, Teresa Gureg, Ehel Moura da Costa, Beth Brício, Gregório Faganello e Lucia Costa: estes confecionistas contribuiram porque pioneiramente tentaram traduzir as tendências internacionais pra o espírito brasileiro que deixou de ser inteiramente importado. E esse vanguardismo gerou novas frentes de trabalho para vários profissionais e permitiu que as lojas de departamento encontrassem um mercado já receptivo à produção nacional.
     As lojas de departamento, através de campanhas didáticas, disseminaram o valor do estilo, o que gerou frutos para todos, inclusive para as confecções. Numa progressão  aritmética cresceu o número de consumidores conscientes da importância do saber comprar.
     A história da moda se confunde, portanto, com a própria história da mulher brasileira. (texto publicado na Revista Desfile  - Bloch Editores onde exerci as funções de produtora de moda, redatora, coordenadora e de editora - diretor-editorial: Roberto Barreira. diretora de redação, Vera Gertel e Sylvia de Castro.

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