quinta-feira, 27 de março de 2014

VITRINES: SONHOS EM COFRES DE VIDRO - Texto de Ruth Tavares

     Linguagem visual , as vitrines exercem grande fascínio sobre as consumidoras. Não há quem resista ao seu clima de sonho e fantasia que nos faz esquecer, por segundos, a rotina.




     Parou diante da vitrine. Olhou. A adrenalina correu pelo seu corpo. A canga com estampa graúda, vistosa, despertou-lhe paixão à primeira vista. Em fração de segundos já estava dentro de uma cabine, com o pano na mão. Despiu-se. Seguindo as orientações da vendedora, tentou envolver seu corpo no tecido. Gorda, roliça mesmo, ela perdeu algum tempo a desobedecer todas as leis do bom senso: sobrava corpo, faltava pano. "Mas ficou tão lindo, na manequim ..." Não desistiu. Enrolava para cá, enrolava para lá e nada. Até que a vendedora veio em seu socorro e deu a única solução possível: "O jeito é dar um nó nas franjas" Ufa. Que alivio. Finalmente coube. A amarração estava mambembe, mas coube ... Pagou e saiu satisfeita, alheia aos comentários irônicos, feitos na surdina.
     Historinhas como essa já se tornaram um lugar-comum nas lojas dos shoppings centers dos grandes centros urbanos. Ignorando o poder lúdico, a sedução que as vitrines exercem, muitas consumidoras são presas fáceis.

                                        O RISCO DO IMPULSO
     "A vitrine é o palco onde a estrela é o produto. Essa afirmação do austríaco Silvio Kleinburd sintetiza o poder daquela que representa 50% do apelo ao consumo. Para não se cair na fantasia criada pelas vitrines, é necessário observar, com atenção, a peça exposta. Segundo a vitrinista Sandra Burle Marx Smith dá para perceber, olhando uma vitrine, o nível de acabamento e de qualidade de uma roupa. Mas só experimentando a peça é que a consumidora vai constatar se ela cai bem no seu corpo. Compras feitas  por impulso são arriscadas. "Quando vejo e gosto de uma roupa, não decido na mesma hora. Dou uma volta pelo shopping center. Retorno à loja e olho. Passeio um pouco mais. Só na terceira vez é que decido, desde que o preço esteja condizente com o meu salário", afirma Sandra Smith.
     Esfriada a empolgação, o olhar fica mais atento, mais crítico e, consequentemente, mais saudável. Dá para escapar de ciladas do gênero comprar uma peça que não combina com absolutamente nada que você já possui no seu guarda-roupa.  "É comum a consumidora se identificar com a vitrine e querer sair exatamente igual", afirma a vitrinista Grace Máximo Wasth Rodrigues. Para ela, as pessoas gostam de sair bonitas das lojas. "A consumidora entre para comprar uma calça. Se experimenta com a blusa que está, não dá. Deseja, também, uma blusa nova. A própria vendedora já mostra outra peça e sugere: 'Coloque para ver como você vai ficar.'

                                     O PODER DE CRIAR
     Esse jogo de uma roupa que leva a outra é perigoso. Pode-se ,facilmente, acabar comprando, em função de uma simples blusa, uma nova calça, um novo lenço e até um novo sapato. Aí residem as consequências de um bom (e prestimoso) atendimento, a criatividade da vendedora que vai "embalando" cada peça que apresenta com adjetivos e elogios fantásticos : "Você está maravilhosa com essa roupa ..." Embriagada pelos elogios, pelo clima de sonho, a consumidora deixa a loja cheia de sacolas e ... com um crediário.
     O jeito de escapar dessa emboscada é manter a lucidez. Para a desenhista industrial Margareth Ribeiro, que já desenvolveu diversas vitrines, inclusive as vitrines das lojas Cantão, "há peças básicas que podem ser compradas sem susto. Tudo depende do poder de criatividade de cada uma. A forma de vestir, a maneira de combinar a peça, é algo muito pessoal. Uma jaqueta jeans, por exemplo, pode ser usada até com uma calça de seda". Outro básico lembrado por Margareth é o blazer, "sempre muito útil."

                                      O ESTILO CONTA
     Minimalistas ou abarrotadas, com bonecos, com display, com ou sem preços. Afinal, qual é a vitrine ideal? Como todos os segmentos da indústria da moda, a vitrine está sujeita às marés de modismo. Preços em vitrines são muito usados. Para Sandra Burle Marx Smith colocar o preço facilita. "A pessoa vê logo se pode comprar ou não".
     A escolha de um presente numa vitrine deve levar em conta vários fatores. Marco Sabino, por exemplo, é da opinião que o presente funciona se comprado de acordo  com a personalidade da pessoa. "Se ela gosta de brincos enormes, quem vai presentear deve selecionar o que acha bonito dentro desse estilo." Já Grace Máximo Wasth só oferece o que lhe agrada. "O presente deve agradar primeiro a mim, depois aos outros." Uma posição intermediária é de Margareth Ribeiro. Para ela, o importante é se levar em conta o que existe em comum entre a pessoa e o presenteado.

                                    PEDACINHOS DE SONHO
      Com suas luzes, decorações e efeitos especiais, as vitrines são importantíssimas no cenário urbano. Sem elas, um shopping center se tornaria um labirinto.
     Essas janelas para o devaneio já mereceram a atenção de Chico Buarque, que sobre elas criou os seguintes versos "...Nos teus olhos também posso ver as vitrines te vendo passar". Gilberto Gil também se deteve ao assunto e assim expressou o fascínio que elas exercem: "As vitrines são vitrines/Sonhos guardados perdidos/Em claros cofres de vidro."


                                                     
                                  MANTENHA A LUCIDEZ 
     Não há maneira de você saber se uma roupa que foi colocada na vitrine, com todo o apuro de um profissional especializado nessa arte, vai lhe cair bem. O jeito é experimentar e ver como ela fica.
     * Evite fazer compras se estiver em estado depressivo, sentindo-se angustiada ou carente. Esses estados emocionais, tão comuns, podem lhe levar a tentar compensar o que está lhe faltando através da aquisição de uma roupa nova. Cabeça no pé, como se diz popularmente, não proporciona boas compras.
     *A falta de perspectivas diante do futuro gera angústias. Daí para o consumo de pequenas peças, como forma de compensação , é um pulo.
     *A busca de critérios objetivos e um real conhecimento de sua silhueta, do seu corpo,  podem lhe poupar dissabores do tipo comprar uma roupa e, ao chegar em casa, se arrepender e ficar se perguntando: "O que vou fazer com isso?"

(texto realizado para a Editora Abril onde trabalhei assinando com o pseudônimo de Ruth Tavares - meu nome com o sobrenome de solteira da minha mãe Aglaé)
     

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