terça-feira, 27 de maio de 2014

HISTÓRIA DO SUTIÃ - TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE


 SCRC, MORRIS LIBRARY, SIU CARBONDALE

     Só nos anos 20 é que a Europa entrou no século XX. Livre, finalmente dos espartilhos, a mulher européia adotou uma nova silhueta e um novo comportamento.
 
   
     Os homens europeus haviam permanecido nos últimos anos nos campos de batalha. Durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a maior parte das mulheres europeias ocupou posições no mercado de trabalho e precisou de roupas adequadas para colocar-se em atividade, em contraste com o ócio que as roupas da  "Belle Époque" consagravam. 
     Igualdade entre os sexos, amor livre, novo status para casadas e solteiras dentro da sociedade. Todos estes temas centralizavam as conversas. Uma mentalidade utilitarista comandou o estilo da época. As peças precisavam ser funcionais: havia um culto à simplificação, ao depuramento. A moda dos anos 20 não demonstrou interesse em valorizar as curvas da silhueta feminina.
     Vestidos com decotes rentes ao pescoço, cintura baixa, um caimento sem definição de busto e quadris. O sutiã, nesta sua primeira versão, feito geralmente em tecido de algodão, tinha o abotoamento na frente, marcado por pequenos botões e um corte que abaixava e achatava os seios, sem, porém, pressioná-los, como fazia o espartilho. Estes sutiãs tinham alças largas, um corte na horizontal, na altura dos seios, e duas pences:uma embaixo de cada seio. Era o estilo da mulher-andrógina, que usava cabelos rentes, apelidados de à la garçonne, porque não tinha, como suas antepassadas, tempo a perder escovando suas madeixas.
     Surge, no Brasil, a melindrosa, que se tornou personagem do famoso cartunista J. Carlos, que a imortalizou em seus desenhos. Mas este ideal de mulher no Brasil viveu mais nos desenhos de J. Carlos do que no dia-a-dia. 
     As poucas mulheres que adotaram, no Brasil, o novo comportamento feminino o fizeram com ousadia, desafiando o conservadorismo que ainda era regra geral na sociedade brasileira. Vale destacar Pagu (apelido de Patricia Galvão) e Tarsila do Amaral, ambas artistas participantes da Semana Modernista de 1922. Pagu, aliás foi imortalizada por Norma Benguell num belíssimo filme que leva o seu nome.
     Outra mulher que abraçou os frenéticos anos 20 foi Anaíde de Beiritz, professora, jornalista paraibana, companheira de João Dantas, o homem que assassinou, por ciúmes, por vingança pessoal, João Pessoa, cuja morte foi utilizada para justificar o golpe comandado por Getúlio Vargas em 1930.
     Anaíde, na Paraiba de então, viveu com um homem sem se casar. Trabalhava, escrevia artigos para os jornais locais, escrevia também poesias. A sociedade paraibana não a perdoou. Com a morte de João Dantas, seu companheiro, ela passou a viver como indigente e como tal morreu. 
     Anaíde é o personagem do filme "Parayba, Mulher Macho", de Tizuka Yamazaki. Em meados dos anos 80, quando foi à Paraiba escolher locações para o filme, a cineasta Tizuka Yamazaki enfrentou problemas. E teve que optar pelo Estado de Pernambuco para fazer as filmagens das cenas externas porque a sociedade paraibana não queria saber de filmes que "retratassem a vida daquela devassa ..."
     Para compreender o espírito dos anos 20, além dos filmes já citados, vale ler o livro "O grande Gatsby" de F. Scott Fitzgerald, o cronista norte-americano da época. O crack da bolsa de valores em Wall Street, Nova York, que ficou conhecido como a "Quinta-feira negra" provocou inquietação, medo, pânico. 
     Para nós, brasileiras, os anos loucos foram marcados pela Semana da Arte Moderna em 1922, pelos 18 do Forte, a revolta tenentista. Foi também a época da Coluna Prestes. Isto só para nos situarmos em relação a uma década que teve seus valores genéricos, e valores específicos para nós e outros para as europeias (que viveram a Primeira Grande Guerra) e outros valores para as mulheres norte-americanas que viveram uma época de incrível prosperidade econômica seguida,depois, pelo "crack" da bolsa de valores.








(Acima, capa da Revista Fon Fon com a personagem Melindrosa, de J. Carlos e mais: livro sobre Anaíde de Beiritz, escrito pelo meu tio José Joffily e uma foto da atriz Tania Alves que interpretou a Anaíde no filme "Parayba Mulher Macho", de Tizuka Yamazaki. Observem o cabelo curto, com "pega rapaz" que traduz o comportamento audacioso, para a sociedade conservadora da época, da vanguardista e culta Anayde. Vale à pena ver o filme da Tizuka Yamazaki. Texto publicado, na primeira década do século XXI no site WMulher)

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