segunda-feira, 2 de junho de 2014

EU FUXICO, TU FUXICAS, ELAS FUXICAM E AS IRANIANAS BORDAM ...





     Fuxicar - verbo transitivo direto  1- coser ligeiramente e a grandes pontos; 2 - amarrotar. 3- remexer, revirar; 4- Bras.Fam.V.fruticar (intransitivo)

     Fuxico - substantivo masc. Intriga, mexerico. Fonte: Dicionário Aurélio.

     No Dicionário da Moda, de Marco Sabino (editora Campus) fuxico é "circulo franzido de tecido confeccionado artesanalmente a partir de retalhos variados, podendo ser unido e usado na fabricação de roupas, bolsas e tapetes. O fuxico, oriundo do artesanato popular, foi elevado à categoria 'fashion', a partir dos anos 90, quando estilistas de moda decidiram aproveitá-lo em suas criações."




     No dicionário inglês-português, Novo Michallis, o verbo "To Patch" significa remendar, consertar, fazer uma obra de retalhos e remendos. 
     O "patchwork" é então, todo trabalho feito de retalhos, miscelânea de origens diversas. Na "Enciclopédia da Moda, de Georgina O'Hara (editora Companhia das Letras), o 'patchwork' é explicado da seguinte maneira: "unir retalhos de tecidos diferentes sempre foi uma maneira econômica de costurar para uso doméstico (...). Mas na década de 60 e 70 (do século XX) entraram em moda os casacos, calças, vestidos e jaquetas que eram feitos de retalhos quadrados, redondos e hexagonais. A origem deste trabalho é desconhecida. Mas é certo que sempre foi popular e artesanal."




     Férias na casa da minha avó Marieta incluia fazer parte do grupo do fuxico. Em poucas palavras: vovó Marieta e Joana, muito antes de se falar em ecologia, já faziam os três R  - que são reduzir (os gastos, o consumo), reutilizar e reciclar. 
     Foi lá , na casa da minha avó, que  vi, pela primeira vez, mulheres  reaproveitando tecidos, fazendo colchas, lindas colchas de cama. 
Vovó Marieta também fazia toalhas de mesa, redondas, utilizando gravatas fora de uso do meu pai Guiherme e do meu tio José, familiarmente conhecido como tio Ziu.
   O fuxico era feito em torno de uma mesa redonda, na sala de jantar, ou melhor dizendo, na sala onde eram servidas as refeições,.E a hora de unir os pequenos retalhos de pano, era a hora também de comentar a noticias do dia, os acontecimentos familiares, etc.        
     Sua máquina de costura, com pedal,  também ficava na sala onde eram servidas as refeições.  Sempre havia um jeito para se dar numa roupa . E os serzidos eram feitos  na máquina ou à mão. Hoje se diria que ela costumizava, ou seja, adaptava as  roupas. Assim como as reciclava: uma calça poderia se tornar uma bermuda.
     Tenho comigo, guardada feito um tesouro, uma colcha de fuxicos multicoloridos que  a Joana , Nanã para os familiares, me deu de presente. Guardo também com muito carinho um pequeno avental que a minha avó criou, usando velhas gravatas dos seus dois filhos.
Com gravatas ,fora de uso, vovó Marieta também fez uma linda toalha de mesa, redonda, que ofereceu para a minha irmã, Rachel. 
     Vovó não era rica, morava em uma casa simples. Não teve uma vida fácil, mas nunca fugiu da luta. Levava uma vida austera e era muito inteligente: pegava os pensamentos no ar ... Posso dizer que a minha avó paterna teve uma vida espartana/estoica e transmitiu isso para as outras gerações.
     E ela tinha o maior respeito pelas roupas. Foi ela quem me disse, eu ainda garota, com uns 13 anos, que "o hábito faz o monge", e que a roupa era uma linguagem não verbal.
     Muitas décadas depois, trabalhando no jornalismo feminino e no jornalismo de moda, e fazendo mestrado na UFRJ, fui ler Umberto Eco que afirma "o hábito fala pelo monge, o vestuário é comunicação, além de cobrir o corpo da nudez, ele tem outras finalidades. Eco, 1989:71
     

     Nas imagens escaneadas: uma rua em João Pessoa (PB), com seus antigos casarões, o "patchwork" de TekoSemente, e duas reportagens -- Uma editada no jornal Folha de São Paulo (em 17/04/2010) que faz uma resenha do  livro  "Bordados", escrito pela iraniana Marjane Satrapi. 
     O  livro  recebeu o nome de 'Bordado' porque este também é o nome que se dá no Irã à cirurgia de reconstituição do hímem. 
     "É a ela (cirurgia 'bordado') que recorrem as iranianas que arriscam ter uma vida sexual antes do casamento num  país tomado pelo machismo e tradições." 
     No livro, Marjane Satrapi vai literalmente emendando uma história na outra, como é hábito, de acordo com a autora, na sua familia iraniana. "Todo almoço de familia segue o mesmo ritual: após as refeições, os homens vão para a sesta e as mulheres para o samovar, um chá. Todo mundo se reunia em torno dessa bebida par se entregar à nossa atividade predileta, a conversa.
     "Falar dos outros pelas costas, é ventilar o coração", diz a avó da iraniana Marjane.  'E ao contrário do tricotar à la "Sex and the City", ou seja, entre amigas, quem discorre sobre ousadias e medos no campo do sexo são a avó, a mãe e as tias da autora Marjane Satrapi. O livro é muito interessante, vale à pena.

     A segunda reportagem foi publicada no jornal O Globo de hoje, (02/06/2014)  e traz o pensamento da inventora do 'Black na Favela', Eleandra Fidélis, criadora de "roupas e adereços com refugo de malha, sementes, cápsulas de Nespresso". Ou seja, Eleandra é uma jovem que aprendeu a reciclar e a reutilizar com a sua mãe.
E a as costuras de Eleandra trazem as histórias das mulheres nas favelas/comunidades, assim como os 'bordados' de Marjane Satrapi, trazem histórias das iranianas ... No final, o mundo é redondo ... E e a linha da vida nem sempre é reta. Há sempre uma esquina ...!! 
     


Foto: ★⋰˚ ' Hoje, abri bem cedo meu ateliê de saudade. Tenho uma porção de saudades para costurar ' 

- Tuka Borba - 

D. ★⋰˚




Foto: "O olho vê, 
a lembrança revê e a imaginação transvê. 
É preciso transver o mundo." (Manoel de Barros)




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