segunda-feira, 9 de junho de 2014

MODA & CULTURA: ENTREVISTA COM O MINISTRO DA CULTURA E ECONOMISTA CELSO FURTADO








A moda no Brasil começa finalmente a ser encarada como fenômeno cultural, por sua capacidade de expressar os momentos e estado de espírito de nossa sociedade. Mas a moda é também uma indústria que emprega nada menos do que 1% da população economicamente ativa do país. Portanto, para enfocar esse duplo aspecto da moda dentro da nossa realidade, entrevistamos Celso Furtado,ministro da Cultura e economista de renome internacional.



Jornal daModa - Hoje já é comum no Brasil vermos um desfile de moda combinado a outras formas de expressão artística, num mesmo evento cultural. O senhor vê a moda como expressão da cultura?

Celso Furtado - Seguramente! A moda tem sido uma das mais relevantes expressões culturais. Aliás, isso de a moda ser aproximada de outras linguagens culturais é corrente no mundo inteiro. Pude ver algo assim em Paris, já em 1947, em um baile que foi interrompido por um concerto de música clássica, ao qual se seguiu um desfile de alta costura.


J.M. -- Sendo assim, o senhor não vê a moda apenas como um "assunto feminino", mas como um fenômeno cultural ...

C.F. -- A moda é uma forma de corresponder a uma necessidade humana de afirmação, de individualidade. Em algumas culturas, eram os homens que mais de preocupavam em singularizar sua aparência. Em outras, como a nossa, particularmente a partir do século XIX essa passou a ser uma tendência das mulheres. Mais recentemente, entretanto, vejo homens e mulheres se preocupando em expressar sua individualidade através da aparência. Essas transformações, evidentemente, acompanham movimentos sociais...

J.M. -- O senhor acredita na consolidação de um estilo autenticamente brasileiro?
C.F.-- Creio que não há impedimentos. Atualmente estamos vendo a afirmação de uma moda nacional em desfiles e apresentações em várias regiões do Brasil. É um movimento que não se restringe mais ao Rio de Janeiro. Há grupos promovendo apresentações de moda com grande criatividade. Mas tudo isso se deve a um forte crescimento do mercado, que por sua vez representa uma elevação do nivel de vida e a formação de uma classe média no Brasil. Neste país sempre houve uma classe de gente brasileira, mas que se imaginava européia. Nossa própria cultura tendia fortemente a imitar modelos importados. Então o mercado consumidor de moda se limitava a uma minoria rica, que se vestia na Europa. Ou então tínhamos por aqui umas poucas costureiras francesas que tomavam conta desse gente. Não havia moda, propriamente, para o povo.

J.M. --Nesse contexto é que se assiste hoje a um grande desenvolvimento das lojas de departamento, o senhor concorda?

C.F. -- Sim. Na indústria de confecções ocorreu a penetração da tecnologia moderna que ampliou enormemente a capacidade de produção. Ants era preciso ir ao alfaiate, tirar medidas, etc. Ou então havia o hábito familiar de recorrer à costureira da esquina. Mas esses métodos artesanais de produção, além de não terem a capacidade de atender ao grande público, tornavam o produto final extremamente caro. Hoje, com a produção em massa, os custos se diluem. É muito mais barato se produzir em grande escala. Acontece a mesma coisa com os livros. As editoras imprimem hoje tiragens maiores. Com isso o preço baixa. Claro que aí é necessário, no caso das roupas principalmente, uniformizar o mercado através da publicidade, marketing, etc. Esses instrumentos viabilizam a produção em grande escala, tornando a moda acessível ao povo e, pode-se dizer, até mesmo essencial. Outro ponto a ressaltar é que houve uma melhora significativa na qualidade dos artigos produzidos em grande escala. Antigamente, se eu quisesse uma roupa decente precisaria mandar fazê-la no meu alfaiate. Hoje não é mais assim. Até por uma questão de economia de tempo, é muito mais prático chegar a uma loja e comprar uma roupa que já está pronta.


J.M -- Na edição do Jornal da Moda, da Desfile Coleções de dezembro de 1986, vários confeccionistas apontaram a falta de mão-de-obra especializada, as restrições à importação de máquinas e a carência de matéria-prima como problemas que poderiam prejudicar a indústria da moda. Como o senhor vê a atuação do governo no sentido de resolver essa questão?

C.F -- Bem ... isso foge à area de atuação do Ministério da Cultura. No entanto, é importante ressaltar que num momento em que o país passa por uma grave crise cambial, não só a indústria de moda que sente essas dificuldades. Mas, como eu disse, isso não é atribuição do Ministério da Cultura, que só se preocupa com a criatividade e com o lado cultural da moda. Para isso, estamos considerando seriamente a possibilidade de criação de prêmios e de prestigiar, digamos, a criatividade no segmento moda.

J.M. -- Um prêmio atribuído aos estilistas?

C.F -- Sim.


J.M. --E há alguma coisa objetiva, já encaminhada?

C.F. --Não. Estamos considerando. Teríamos primeiramente que criar dentro do ministério algum setor que se ocupasse de artes plásticas, que é onde a moda se enquadra. A partir daí, teríamos condições de promover festivais, prêmios, enfim, permitir que a moda seja considerada como uma forma de linguagem cultural no Brasil. O brasileiro é muito imaginativo. Tudo indica que nós temos condições de ter uma indústria de moda de alta qualidade e de originalidade marcante nos padrões ocidentais.


J.M. --O Ministério da Cultura está pensando em promover eventos que levem a moda brasileira para o exterior? Já houve iniciativas isoladas nesse sentido, Zuzu Angel, lutando contra todo tipo de dificuldade, foi uma pioneira nesse sentido, na década de 70. E ela fazia um trabalho bastante ligado à cultura brasileira.
C.F. --Sim ... Há a ideía de promover esses eventos. Nós apoiamos a presença brasileira no exterior em teatro, cinema, em artes plásticas. Estamos agora organizando um festival e montando uma exposição da cultura brasileira do século 20 na França. Estamos também organizando uma exposição de arte popular na Europa. Então, podemos perfeitamente prestigiar a moda na sua presença como arte.


J.M. -- A moda hoje se desenvolve em vários Estados. A prefeita de Forteleza, Maria Luíz Fontenele, por exemplo, considera que a indústria de moda é um fator importante de desenvolvimento social. O Ceará, aliás, é uma grande expressão como centro produtor de moda,hoje, como também Minas Gerais e o Rio Grande do Sul. Como o governo federal encara esses fatos?

C.F. --O governo federal tem interesse em reforçar esse tipo de descentralização. É por isso que daríamos mais apoio à moda no Ceará, por exemplo, onde já existe uma forte vitalidade, do que em São Paulo, que já possui um mercado grande e meios para se desenvolver. No caso do Ceará, sei que eles estão muito interessados em exportar para os outros estados brasileiros e para o exterior. Além do mais, é necessário ressaltar que a indústria de moda nessas regiões tem um papel social mais importante, no tocante à oferta de empregos, do que uma refinaria de petróleo, por exemplo, que exige aplicação de muito mais capital e absorve menos mão-de-obra. E, no que se refere ao desenvolvimento social, a moda de tudo é a criação de emprego. Emprego bem remunerado, entenda-se. A indústria de moda é fundamental porque é uma indústria criadora de empregos.

(Entrevista com o ministro da cultura (economista) Celso Furtado(1920-2004), realizada por mim, em 1987, para a Revista Desfile Coleções, Bloch Editores. 
'Recuperei' esta entrevista quando ela foi publicada no livro "História da moda" de Marco Sabino- Editora Campus, 2011. Amanhã contarei mais detalhes sobre esta entrevista)




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