terça-feira, 10 de junho de 2014

MODA E COMUNICAÇÃO






"A MODA ESTÁ NA ORIGEM DA MODERNIDADE"  Jacques Mathieu Émile Lang, mais conhecido como Jacques Lang, político socialista francês, nascido em 1939, que foi várias vezes ministro, tendo sido, inclusive, ministro da Cultura de François Mitterrand.



     
     Um exemplo da comunicação afirmativa da indumentária são as camisetas pelas "Diretas", que comprovaram a ligação da moda com os movimentos de massa.
     A palavra-de-ordem das "Diretas Já" em 1984 sofreu, num primeiro momento, um boicote por parte dos veículos de comunicação tradicionais. Foi preciso o movimento espalhar-se pela população e tornar-se uma quase unanimidade nacional para que os meios de comunicação aderissem.
     Ao contrário dos grandes jornais e das tevês, as camisetas são veículos de divulgação cujo controle é acessível ao grande público. Na medida em que um movimento se utiliza de recursos como esse, consegue ultrapassar o bloqueio , sair da clandestinidade, multiplicar-se, ganhar repercussão e ter acesso às midias.
     Sua utilização ampla, no caso das "Diretas Já" supriu a falta de jornais e tevês, conduziu a palavra de ordem ao dia-a-dia, a todos os lugares. A camiseta serviu de cimento social, de multiplicador, e arrastou as outras midias atrás dela.

A COMUNICAÇÃO NEGATIVA

     De Porto Alegre (RGS) a Manaus (AM) é impressionante o número de pessoas que carregam no peito a lingua estrangeira. 

     "É como se o fato de levar consigo a lingua do outro sobre seu seio ou em suas costas, o tornasse tão outro quanto o outro", afirma o professor canadense Jean Morisset, que vai mais além ao dizer que é a própria estética da pobreza, e o surrealismo do subdesenvolvimento, que leva as pessoas a terem medo da marginalização.
     Daí "essa fome de querer ser o outro sem o saber, essa fome do inglês como exercício propiciatório, essa sede do outro, não para si próprio, mas para se tornar um dos membros do corpo do outro. Como se o fato de ser comido pouco a pouco pela sistema cultural internacional fosse um dia apaziguar essa fome sem nome, que é o medo da marginalidade. O medo de não ser senão ela mesma. O sentimento de culpa pelo seu subdesenvolvimento, tal como este é definido pelos outros."
     
     E o professor Marisset conclui afirmando: "Pergunto a mim mesmo o que acontecerá quando o Brasil decidir aplicar a si próprio a "sindrome do chegou". Chegou o Brasil ao Brasil mesmo."
     
     É a indumentária que transmite, ou melhor dizendo comunica, através das camisetas com palavras em inglês, esta síndrome do estrangeirismo que acomete os brasileiros, esta vergonha do nosso 'subdesenvolvimento', esta pouca capacidade de enfrentar -- cara a cara - a nossa realidade, e sair por aí, com frases, poemas, versos ou ditos dos nossos escritores, compositores, poetas, etc. É pouca a produção de camisetas com estampas que "falem o português" mas também é certo o medo (até vergonha) que o brasileiro tem de se aproximar da sua própria cultura.

     Há algum tempo atrás, conversando com um fabricante de camisetas, eu lhe perguntei por que não criava modelos com palavras em português. E ele me respondeu: "Isto não vende. Parece que as pessoas gostam de carregar no peito o que não entendem, pois querem fazer de conta que são estrangeiros em sua própria pátria."

     Este amor pelo estrangeirismo tem raízes no Brasil Colônia. Segundo Eduardo Galeano, autor de Caras & Máscaras, "em 1785 a Coroa Portuguesa mandou liquidar as oficinas têxteis do Brasil, que haviam alcançado um grande progresso, produzindo tecidos de boa qualidade. A partir daquela data, elas só podiam fabricar panos para escravos, porque a nobreza e a burguesia deviam continuar se vestindo na Europa."

     No livro "Modos de Homem & Modas de Mulher", de Gilberto  Freyre, há reflexões sobre a reeuropização das chamadas classes abastadas do nordeste que usavam, no século XVIII e XIX, o damasco, um tecido pesado, uma espécie de veludo, que nada tem a ver com o clima quente da região.
     
     Essa dependência da burguesia nacional ao estilo da indumentária européia, o que sem dúvida, é uma clara negação da nossa brasilidade, sobreviveu ao Brasil República. A prova mais evidente são os anúncios de roupas publicados na Revista Careta em 1908, ano em que faleceu o escritor Machado de Assis.

"Rayon de chapeos de Maison Blanche, Rua da Uruguayana, 78. Modelos de la Maison Rebout (Place de L'Opera, Paris) e Poyanne (Rue de La Paix, Paris)."

"Maison Nouvelle - 9, Rua Gonçalves Dias. Cintos elásticos de seda, tecidos modernos de pura lã (sic!). Cortes de vestidos por 18 mil reis, mitaines, bolças ..."

"A Maison Blanche possue o mais bello sortimento de modas e novidades e os seus preços são eguaes aos de Paris."

"A Maison Blanche acabou de receber um gracioso e grandioso sortimento de costumes de linho, chantung, bleuses em renda, lese em modelos  completamente novos e egual sortimento podemos garantir nunca ter vindo ao Rio de Janeiro."

     A preocupação de adequar o traje, a indumentária ao clima não existia. Vendia-se "manteaux parisienses" e pura lã. Vale notar que a utilização de palavras estrangeiras pelos jornalistas era sem escrúpulos. Ao invés de futebol grafava-se "football", entrevista era "interview", as senhoras eram alcunhadas de madames e as senhoritas de mademoiselles, vindo , logo a seguir, o sobrenome do marido ou do pai. Tratava-se de um Brasil que se comunicava pelo seu patriarcalismo.

     A nossa miscigenação racial era omitida no berço, às crianças. Era, segundo Gilberto Freyre, "a negação da nossa cultura e, consequentemente, da nossa morenice, que levava a burguesia do século XIX a importar bonecas francesas, loiras e róseas, para as meninas, o que concorreu para criar nessas meninas uma associação da idéia de beleza feminina com esse tipo antropológico de mulher."
     E perdura, até hoje, a oxigenação dos cabelos por muitas mulheres castanhas ou até morenas, além do fato do alisamento dos cabelos ser ainda uma constante entre as mulheres negras.
     
     A julgar pelo que afirmou Roland Barthes em "The Deseases of Costume": "a indumentária é uma forma de escrita, na qual o elemento básico é o sinal" - no modo de vestir dos brasileiros ainda há uma clara comunicação do medo da brasilidade.

     São estes desvios europeizantes que levaram, segundo Gilberto Freyre, o educador Anísio Teixeira a pioneiramente sugerir " a necessidade de orientação antropológica para indústria brasileira de calçados e roupas feitas." Mas isto , porém, só poderia ser realizado caso o público apresentasse alguma mudança. Pois como diz Gilda de Mello e Souza no livro "O Espírito das Roupas": "Nenhum produtor apresenta um produto sem que o público a quem ele se endereça o tenha solicitado."

(Parte, recortada, do texto que escrevi, uma reflexão sobre a moda brasileira e modernidade. Escrevi, mas não o entreguei à banca examinadora de candidatos ao mestrado da UFRJ em 1987. Eu o escrevi e acabei engavetando. 
Mas hoje, dia 10/06/2014, ao passar por uma loja Toulon na zona sul do Rio de Janeiro, vi uma bolsa de lona, linda, mas tinha  várias palavras em inglês, estampadas. Perguntei ao vendedor se existia um modelo sem as (desnecessárias) palavras em inglês, que,para mim, estavam poluindo a bolsa em lona.  O vendedor  pediu um segundo, foi lá dentro no estoque . Voltou e me disse que o modelo liso, sem frases em inglês estava em falta  --  E ponto  -- 
Em tempo, o mestrado acabei realizando em 2002, com outra dissertação, sobre o jornalismo de moda, jornalismo feminino, e a obra de Alceu Penna - mas de qualquer maneira refletindo sobre a brasilidade, no vestir)

Bibliografia: O Espirito das roupas, de Gilda de Mello e Souza; Modos de Homem & Modas de Mulher, de Gilberto Freyre; Zuzu Angel, roteiro de Jorge Duran; Yes, We Speak English, artigo de Jean Morisset, publicado no Caderno B do (extinto) Jornal do Brasil no dia 02/09/1985; Roland Barthes.   
     






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