quinta-feira, 5 de junho de 2014

GENTE COMO A GENTE








         
                                    Ir ao supermercado é uma necessidade ditada pelas leis de sobrevivência nos centros urbanos. Não dá para se exilar do cotidiano. A maioria das mulheres enfrenta as compras como obrigação, muitas vezes desagradável.

 


     Com jeans, camiseta e sandália, Luiza realizava suas compras, num sábado pela manhã, no Pão de Açucar do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro.Indagada sobre qual é a melhor roupa para se fazer compras num supermercado, disse: "qualquer uma. Tanto faz ..."
     Tudo leva a crer que as mulheres encaram a ida ao supermercado como uma obrigação, muitas vezes desagradável. As pessoas estão se privando de coisas. É comum se depararem com artigos que não podem comprar. Nos rostos não há um sorriso ou ar de felicidade. O clima que reina nas amplas instalações, fechadas e, geralmente, refrigeradas, é de tensão e apatia. Ninguém troca cordialidades. Por que haveriam de pensar no que estão (ou deveriam estar) vestindo? O momento não é de celebração. O consumo -- que é uma espécie de qualidade de vida -- torna-se um ato despido de qualquer emoção.

     "Roupa? A gente vê de tudo", afirma Cleonice , caixa do Freeway, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Seu uniforme, cinza-escuro, cor vazia, neutra, reforça o baixo astral do ambiente. Na hora do pagamento, domina a desconfiança. Exigem CPF, Carteira de Identidade, endereço e telefone. Só falta a árvore genealógica ...
                                 NO TEMPO DA VOVÓ

      Longe vai o tempo em que nossas avós recebiam, na porta de casa, o leiteiro, o padeiro e o peixeiro. Os produtos vinham à consumidora, que recebia um atendimento pessoal, diferenciado. "Madame, hoje tem aquele peixe que a senhora tanto gosta ..." Essa relação próxima entre o comerciante e a compradora dava margem à cortesia, troca de palavras amáveis e à pechincha.
     O mesmo clima descontraído se vivia nos armazéns de secos e molhados, os antecessores dos nossos modernos supermercados. Lá, se comprava de tudo, inclusive artigos de armarinho. Frequentá-los significava sr atendido no balcão, com todas as deferências. Sem dúvida, as mulheres do tempo das nossas avós retribuiam essas atenções com um capricho na forma de vestir.
     Se fosse possível tomar uma nave do tempo e aterrisar no passado ouviria-se declarações de prazer e viríamos rostos mais alegres, risinhos, entre as habituais frequentadoras dos armazéns de secos e molhados. Há de se levar em conta que naqueles tempos não se conhecia a hiperinflação, não se vivia um individualismo extremado, calcado no lema cada um por si, e nem havia tanta violência nos centros urbanos.

                              COTIDIANO ASFIXIANTE
     A violência urbana já gerou uma moda nos supermercados e nas ruas do Rio de Janeiro. O que mais se vê são mulheres com bolsas a tiracolo usadas na diagonal. Para o estilista José Augusto Bicalho, o mais seguro é pendurar a bolsa na frente, no pescoço. "Se colocar atrás, o roubo é certo."
     Com tantas precauções, com tanta desconfiaça no ar, fica difícil se fazer compras de bom-humor. Asfixiada pela realidade cotidiana, a maioria das cariocas porém, não abrem mão do bumbum empinado. Nos supermercados -- sejam na zona sul ou norte --imperam calças, bermudas ou shorts com gancho curto. Pode-se dizer que essa modelagem é a nova versão do falecido espartilho, colete com barbatanas de baleia ou lâminas de aço, usado para comprimir a cintura e levantar o busto. O gancho curto empina a bunda forçando a coluna. Ambos respondem ao ideal físico do homem, com sacrifícios para a anatomia feminina ... Se nove entre dez brasileiros gostam de bumbum, lá estão elas, com os seus em destaque. Adeus, conforto ...
                        
                            LIBERDADE PARA O CORPO

     "Fazer compras é uma ginástica. O serviço é ruim, há uma espera na caixa. É uma imposição completa, afirma a estilista Yamê Reis. Como é naturalista -- não come carnes e nem enlatados -- Yamê gasta apenas vinte minutos para fazer suas compras do mês. "Roupa boa para ir ao supermercado é um confortável short ou bermuda, camiseta e tênis." Já o estilista José Augusto Bicalho considera que o traje ideal para ir às compras é o pijama urbano: o corte mais amplo garante a liberdade de movimentos. "Outra opção é a calça com elástico no cós e um top amplo, usado para fora, que favorece inclusive as cheinhas de corpo", diz Bicalho. O tecido deve ser natural -- malha ou algodão - em função da transpiração. José Augusto Bicalho lembra que as produções excessivas (rostos muito maquiados, óculos e bijuteria caras, bolsa e sapatos fora do comum) devem ser evitadas por uma razão simples: "Destacar-se da multidão é perigoso. Alguém vai notar que a sua bolsa é mais recheada." Quanto às cores, nada melhor do que o verde escuro, o bege, ou seja, tonalidades sujas que permitem que se pegue num saco de batata ou cebola, sem medo de manchar a roupa.



                                IDADE NÃO É DOCUMENTO
   
     Foi-se o tempo em que se expressava a idade através da roupa. Atualmente não existem fronteiras no vestir entre uma mulher de trinta e outra de sessenta anos. Aliás, como bem disse o estilista José Augusto Bicalho, "há muita mulher de quarenta e cinco anos mais enxuta do que algumas de vinte." Antigamente é que existiam roupas para meninas, senhoritas e senhoras.
     Abolidos os preconceitos e as convenções, prevalecem a realidade e as necessidades de cada uma. Em São Paulo é comum  se ver mulheres fazendo compras com a roupa de trabalho. "Aqui, há um continuismo. Usa-se a mesma roupa para se ir ao supermercado, ao trabalho e ao coquetel à noite. O vestir expressa o estilo de vida. Há a mulher esportiva, a executiva, a clássica e a dona-de-casa, afirmam Yeda Amaral e Glória Durans, da  Santista.
     Já no estado da Paraíba, por exemplo, a idade e o estado civil se traduzem, para algumas mulheres, na forma de vestir. "Como faz calor, as jovens usam bermudas amplas, quase uma saia-calça. As mais velhas são adeptas do vestido-chemisier ou da calça comprida, afirma Clotilde Figueiredo Tavares, professora e dona-de-casa, que conclui: "Mas esta questão de idade está muito ligada às cabeças. Já vi mulheres jovens, casadas, com sóbrios chemisiers, e outras, mais velhas, de bermudão. O estado civil influi. Tem marido ciumento que não gosta de ver sua mulher com pernas de fora ..." Como se percebe, um ato rotineiro, banal, como ir ao supermercado, está repleto de máscaras sociais, que nem sempre são as melhores conselheiras.

                              USE A CABEÇA

     Se as mulheres vão ao supermercado sem se programarem visualmente, o mesmo não acontece com esses estabelecimentos. Eles se produzem, na surdina, "da cabeça aos pés" para receber suas frequesas. Lá, nada acontece por acaso ou de qualquer jeito. Desde o jogo de cores, de luzes e a colocação dos artigos nas pratileiras, tudo é feito para induzir à compra dos supérfluos. "Os artigos de primeira necessidade, aqueles de que mais se precisa, ficam escondidos nas pratileiras de baixo", afirma o arquiteto Jair Varela, diretor da Grafos, Projetos e Consultoria. A pessoa é obrigada a se agachar, realizando uma pequena ginástica, para adquirir o arroz e o feijão de cada dia. Daí ser um contrasenso ir ao supermercado com roupas apertadas. Bolsas grandes também devem ser evitadas. O ideal é o cinto com "pochette", ou seja, uma bolsa pequena, com espaço suficiente para guardar dinheiro, cartão de crédito e débito e documentos. Nos pés, nada melhor do que um tênis ou uma sandália com solado de borracha, que evitam a queda através de um escorregão ou de perda de equilíbrio, tão normal quando se abaixa e se levanta, bruscamente.
     Ao dar prioridade ao conforto, você ficará com a cabeça mais livre para raciocinar, o corpo mais solto para se mexer.

(O texto acima, uma crônica de moda, foi publicado na editora Abril, onde  trabalhei como funcionária e posteriormente como colaboradora. E como colaboradora assinava com o pseudônimo de Ruth Tavares - meu nome de batismo com o sobrenome de solteira de Aglaé, minha mãe. Época da publicação: anos 90)








     























Um comentário:

  1. Rutinha....!!!!!! Não + existe *programação* no vestir....Estamos em 2014 onde de manhã já vemos nas ruas sandálias douradas,t-shirt brilhantes com swarovskis e tbm lantejoulas chinesas...O importante hoje é ser *sexy* 24 hrs. seguidas....Roupas que entram pel noite e saem pela madrugada enfrentando um dia de trabalho....Elegância não + existe....Muito menos roupas direcionadas a almoços,casamentos,festas ou seja lá o que for....Beijos JOSE AUGUSTO BICALHO.....

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